segunda-feira, 13 de junho de 2011

O QUE IMPORTA É PROSSEGUIR DECIDIDAMENTE

Por ele, tudo desprezei e tenho em conta de esterco, a fim de ganhar a Cristo (…). Persigo o objetivo, rumo ao prêmio celeste, ao qual Deus nos chama em Jesus Cristo. (…) Contudo, seja qual for o grau a que chegamos, o que importa é prosseguir decididamente.” Fl 3, 8b.14.16.”


O que importa é prosseguir decididamente, diz São Paulo. Ele sabe o que perdeu, mas também sabe o que quer alcançar; e quer alcançar o que o pecado roubou dele: o paraíso, o céu. O pecado nos arrancou do paraíso; esse é um fato que a nossa liberdade não pode mudar: de fato vivemos nesse mundo. Mas em Cristo existe uma novidade: o paraíso pode ser alcançado novamente porque Ele ressuscitou e, ressuscitando, abriu novamente as portas do céu ao homem. Essa é a nossa fé. O pecado, agora atual, é fazer o homem não crer, ou não querer o paraíso. Então o pecado não só nos roubou o paraíso, mas nos faz não querer o paraíso.


Paulo, no entanto, sabe qual é a sua meta; e sua meta é aquilo em que crê. Nós até cremos, pois rezamos como quem crê, professamos o Credo, cantamos músicas piedosas, nos emocionamos com as coisas de Deus, mas nossa meta é realmente aquilo em que cremos ou as coisas e os valores do mundo?


Acredito que o mundo cristão passa por uma grande crise de fé, mas não porque não tenha fé e sim porque não tem esperança. Uma fé sem esperança é uma fé agnóstica, ou seja, que acredita, mas não busca aquilo em que acredita, pois acha inalcançável. Deus é inalcançável, o Bem é inalcançável, não existe amor verdadeiro, as promessas não são verdadeiras. O fruto disso é o ateísmo prático de quem crê, ou seja, embora tenha fé, vive como se não tivesse fé, ou então o “mornismo” dos crentes que relativizam o valor da fé frente aos valores do mundo. Para responder a essa crise o Papa nos deixou recentemente o documento “Spe salvi”, sobre a esperança que salva.


Paulo persegue aquilo em que crê porque sua fé é movida pela esperança e a fé movida pela esperança gera frutos de caridade. Falando de esperança não estamos falando de uma mera expectativa ou “o sonho de quem está acordado”, na definição de Aristóteles, mas de uma virtude na qual o crente é capaz de conquistar e viver a fé, porque a esperança é o dom de querer tanto os bens da fé até o ponto de colocar todas as coisas da vida em função dessa conquista.


“A fé reconhece a irrupção desse futuro amplo e livre no evento de Cristo; a esperança que aí se inflama mede os horizontes que se abrem para uma existência antes fechada. A fé une o homem a Cristo; a esperança abre esta fé para o vasto futuro de Cristo. Por isso a esperança é a companheira inseparável da fé. Se falta a esperança, por mais genial e eloquentemente que falemos da fé, podemos estar certos de que não temos nenhuma! A esperança nada mais é do que a espera das coisas que, conforme a convicção da fé, foram por Deus realmente prometidas… A fé é o fundamento sobre o qual descansa a esperança; e a esperança alimenta e sustenta a fé.


Sem o conhecimento de Cristo pela fé, a esperança se torna uma utopia que paira em pleno ar; sem a esperança, entretanto, a fé decai, torna-se fé pequena. Por meio da fé, o homem entra no caminho da vida, mas somente a esperança o conserva neste caminho. Dessa forma, a fé transforma a esperança em confiança e certeza; e a esperança torna a fé em Cristo ampla e lhe dá a vida” (1).


Mudando de prisma, se olharmos a meta humana sob o valor da caridade, podemos dizer que todos querem o bem, mas nem todos são livres para realizar o bem. A caridade, para ser autêntica, deve surgir da fé, mas, para ser íntegra, precisa ser gerada na esperança. Somente com a esperança a caridade do pai e da mãe de família, do patrão, do político, do missionário não se corrompe, pois a esperança tem a força de nos manter centrados no bem que queremos e capazes de renunciar a tudo para preservarmos a integridade desse bem.


O ser humano é humano porque é capaz de tomar decisões que o ordenem ao verdadeiro bem e ele toma boas decisões quando as direciona para Deus, em quem crê.


Mas ele só será capaz de direcionar suas decisões para aquilo em que crê se tiver esperança; do contrário, a sua fé não tem força para dirigir suas decisões. Contudo, ele poderá decidir pelo bem, mas só se manterá firme em sua decisão se estiver sob a força da esperança.


Portanto, a esperança é elemento fundamental na vivência da liberdade humana. Sem ela, facilmente nos escravizamos e nos corrompemos. Por isso Bento XVI inicia a encíclica assim: “Spe salvi facti sumus” – é na esperança que fomos salvos: diz São Paulo aos Romanos e a nós também (Rm 8,24). A redenção, a salvação, segundo a fé cristã, não é um simples dado de fato. A redenção nos é oferecida no sentido que nos foi dada a esperança, uma esperança fidedigna, graças à qual podemos enfrentar o nosso tempo presente: o presente, ainda que custoso, pode ser vivido e aceito se levar a uma meta e se pudermos estar seguros dessa meta, se essa meta for tão grande que justifique a canseira do caminho” (2).


Cristo não nos deu somente a fé, mas também a esperança, tesouro incomparável que nos ensina a viver o único dom eterno que Ele nos deu: a Caridade. É preciso pedir a graça da virtude da Esperança e nos ordenarmos para essa graça. E Deus nos proporciona inúmeros modos de fazê-lo. Temos alguém que nos ensina esses caminhos e por isso o Papa inicia o último capítulo de sua encíclica assim: “Com um hino do século VIII/IX, portanto com mais de mil anos, a Igreja saúda Maria, a Mãe de Deus, como ‘estrela do mar’: “Ave maris stella”. A vida humana é um caminho. Rumo a qual meta? Como achamos o itinerário a seguir? A vida é como uma viagem no mar da história, com freqüência enevoada e tempestuosa, uma viagem na qual perscrutamos os astros que nos indicam a rota. As verdadeiras estrelas da nossa vida são as pessoas que souberam viver com retidão. Elas são luzes de esperança. Certamente, Jesus Cristo é a luz por antonomásia, o sol erguido sobre todas as trevas da história.


Mas, para chegar até Ele precisamos também de luzes vizinhas, de pessoas que dão luz recebida da luz d’Ele e oferecem, assim, orientação para a nossa travessia. E quem mais do que Maria poderia ser para nós estrela da esperança? Ela que, pelo seu ‘sim’, abriu ao próprio Deus a porta do nosso mundo; Ela, que Se tornou a Arca da Aliança viva, onde Deus Se fez carne, tornou-Se um de nós e estabeleceu a sua tenda no meio de nós (cf. Jo 1,14)” (3).


(1) J.MOLTMANN, “Teologia da Esperança”, 1971, pg 7
(2) BENTO XVI, “Carta Encíclica Spe salvi”, 2007, n.1.
(3) BENTO XVI, “Carta Encíclica Spe salvi”, 2007, n.49.



André Luis Botelho de Andrade

Fundador e Moderador Geral da Comunidade Católica Pantocrator

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