segunda-feira, 30 de abril de 2012

Por que o celibato do sacerdote?



Jesus Cristo é o verdadeiro sacerdote e foi celibatário; então, a Igreja vê Nele o Modelo do verdadeiro sacerdote que, pelo celibato se conforma ao grande Sacerdote. Jesus deixou claro a sua aprovação e recomendação ao celibato para os sacerdotes, quando disse: “Porque há eunucos que o são desde o ventre de suas mães, há eunucos tornados tais pelas mãos dos homens e há eunucos que a si mesmos se fizeram eunucos por amor do Reino dos céus. Quem puder compreender, compreenda.” (Mateus 19,12)
Nisto Cristo está dizendo que os sacerdotes devem assumir o celibato, como Ele o fez, “por amor ao Reino de Deus”. O  sacerdote deve ficar livre dos pesados encargos de manter uma família, educar filhos, trabalhar para manter o lar; podendo assim dedicar-se totalmente ao Reino de Deus. É por isso que desde o ano 306, no Concilio de Elvira, na Espanha, o celibato se estendeu por todo o Ocidente, ate´ que em 1123 o Concílio universal de Latrão I o tornou obrigatório.
É preciso dizer que a Igreja não impõe a celibato a ninguém; ele deve ser assumido livremente, e com alegria, por aqueles que têm essa vocação especial de entregar-se totalmente ao serviço de Deus e da Igreja. É uma graça especial que Deus concede aos chamados ao sacerdócio e à vida religiosa. Assim, o celibato é um sinal claro da verdadeira vocação sacerdotal.
No inicio do Cristianismo a grandeza do celibato sacerdotal ainda não era possível; por isso São Paulo escreve a Timóteo, que S. Paulo colocou como bispo de Éfeso, dizendo: “O epíscopo ou presbítero deve ser esposo de uma só mulher” (1Tm 3, 2). Estaria, por isto, o padre hoje obrigado a casar-se? Não. O Apóstolo tinha em vista uma comunidade situada em Éfeso cujos membros se converteram em idade adulta, com muitos já casados. Dentre esses o Apóstolo deseja que sejam escolhidos para o sacerdócio homens casados (evitando os viúvos recasados). Já no ano 56, São Paulo, que optou pelo celibato,  escrevia aos fiéis de Corinto (1Cor 7,25-35) enfatizando o valor do celibato: “Aos solteiros e às viúvas digo que lhes é bom se permanecessem como eu. Mas se não podem guardar a continência que se casem”. (1Cor 7,8). “Não estás ligado a uma mulher? Não procures mulher”. O Apóstolo se refere às preocupações ligadas ao casamento (orçamento, salário, educação dos filhos…). E Paulo enfatiza:
“Quem não tem esposa, cuida das coisas do Senhor e do modo de agradar à esposa, e fica dividido. Da mesma forma a mulher não casada e a  virgem cuidam das coisas do Senhor, a fim de serem santas de corpo e de espírito. Mas a mulher casada cuida das coisas do mundo; procura como agradar ao marido”. “Procede bem aquele que casa sua virgem; aquele que não a casa, procede melhor ainda” (1Cor 7, 38). A virgindade consagrada e o celibato não tinham valor nem para o judeu nem para o pagão. Eles brotam da consciência de que o Reino já chegou com Jesus Cristo.
O último Sínodo dos Bispos sobre a Eucaristia, confirmou o celibato e o Papa Bento XVI expressou isso na Exortação Apostólica pos-sinodal, “Sacramentum Caritatis”, de 22 fev 2007. Disse o Papa:
“Os padres sinodais quiseram sublinhar como o sacerdócio ministerial requer, através da ordenação, a plena configuração a Cristo… é necessário reiterar o sentido profundo do celibato sacerdotal, justamente considerado uma riqueza inestimável e confirmado também pela prática oriental de escolher os bispos apenas de entre aqueles que vivem no celibato (…) Com efeito, nesta opção do sacerdote encontram expressão peculiar a dedicação que o conforma a Cristo e a oferta exclusiva de si mesmo pelo Reino de Deus. O fato de o próprio Cristo, eterno sacerdote, ter vivido a sua missão até ao sacrifício da cruz no estado de virgindade constitui o ponto seguro de referência para perceber o sentido da tradição da Igreja Latina a tal respeito. Assim, não é suficiente compreender o celibato sacerdotal em termos meramente funcionais; na realidade, constitui uma especial conformação ao estilo de vida do próprio Cristo. Antes de mais, semelhante opção é esponsal: a identificação com o coração de Cristo Esposo que dá a vida pela sua Esposa. Em sintonia com a grande tradição eclesial, com o Concílio Vaticano II e com os Sumos Pontífices  meus predecessores, corroboro a beleza e a importância duma vida sacerdotal vivida no celibato como sinal expressivo de dedicação total e exclusiva a Cristo, à Igreja e ao Reino de Deus, e, consequentemente, confirmo a sua obrigatoriedade para a tradição latina. O celibato sacerdotal, vivido com maturidade, alegria e dedicação, é uma bênção enorme para a Igreja e para a própria sociedade.”(n.24)  O Mahatma Ghandi, hindu, tinha grande apreço pelo celibato. Ele disse:   “Não tenham receio de que o celibato leve à extinção da raça humana. O resultado mais lógico será a transferência da nossa humanidade para um plano mais alto… “Vocês erram não reconhecendo o valor do celibato: eu penso que é exatamente graças ao celibato dos seus sacerdotes que a Igreja católica romana continua sempre vigorosa”. (Tomás Tochi, “Gandhi, mensagem para hoje”, Ed.  Mundo 3, SP, pp. 105ss,1974)
Alguns querem culpar o celibato pelos erros de uma minoria de padres que se desviam do caminho de Deus. A queda desses padres no pecado não é por culpa do celibato, e sim por falta de vocação, oração, zelo apostólico, mortificação, etc; tanto assim que a maioria vive na castidade e por uma longa vida. Quantos e quantos padres e bispos vivendo em paz e já com seus cabelos brancos!
O casamento poderia trazer muitas dificuldades aos sacerdotes. Não nos iludamos, casados, eles teriam todos os problemas que os leigos têm, quando se casam. O primeiro é encontrar, antes do diaconato, uma mulher cristã exemplar que aceite as muitas limitações que qualquer sacerdote tem em seu ministério. Essa mulher e mãe teria de ficar muito tempo sozinha com os filhos. Depois, os padres casados teriam de trabalhar e ter uma profissão, como os pastores protestantes, para manter a família. Quantos filhos teria? Certamente não todos que talvez desejasse. Teria certamente que fazer o controle da natalidade pelo método natural Billings, que exige disciplina. A esposa aceitaria isso?
Além disso, podemos imaginar como seria nocivo para a Igreja e para os fiéis o contra-testemunho de um padre que por ventura se tornasse infiel à esposa e mãe dos seus filhos! Mais ainda, na vida conjugal não há segredos entre marido e mulher. Será que os fiéis teriam a necessária confiança no absoluto sigilo das confissões e aconselhamentos com o padre casado?  Você já pensou se um dos filhos do padre entrasse pelos descaminhos da violência, da bebedeira, das drogas e do sexo prematuro, com o possível engravidamento da namorada?
Tudo isso, mas principalmente a sua conformação a Jesus Cristo, dedicado total e exclusivamente ao Reino de Deus, valoriza o celibato sacerdotal.
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sexta-feira, 27 de abril de 2012

FRÁGIL EMBARCAÇÃO

Frágil embarcação é uma metáfora apropriada para designar a travessia do ser humano e da humanidade em seu conjunto, desde o nascimento até a morte. Do berço ao túmulo, em meio a tempestades e turbulências, vamos cruzando onda após onda, sem saber ao certo o que nos espera no porto. As estrelas podem nos guiar, quem sabe algum farol ajude a acertar o rumo do horizonte, mas na maioria das vezes é às cegas que prosseguimos na navegação. A fragilidade da embarcação se revela em diversos níveis e instâncias.

A Pessoa

Em termos pessoais, quando concentramos o olhar sobre o próprio coração nos deparamos com um feixe de medos e dúvidas, de perguntas sem resposta e enfermidades sem remédio, de incoerências e contradições, de ruídos e paixões desordenadas. É o terreno das "alegrias e esperanças, das angústias e tristezas”, lembra a abertura da Gaudium et Spes, já que estamos celebrando o Jubileu de Ouro do Concílio Ecumênico Vaticano II. Perturbações e sonhos se mesclam, lutas resultam em fracassos ou vitórias, que vão se alternando ao longo da estrada.

O espírito navega em águas turvas, onde se vê impulsionado por desejos inconfessados e inconfessáveis, quando não simplesmente ignorados e desconhecidos. "Faço o que não quero e deixo de fazer o que me propus”, reconhece o apóstolo Paulo, que convive, além do mais, com o "espinho na carne”. "Coração de gente é terra selvagem”, diz com razão o poeta Guimarães Rosa. Nesse nível, o ser humano não passa de um ponto de interrogação itinerante, numa busca sem fim pelo sentido profundo de sua existência. Um caniço agitado, batido por ventos contrários, embora seja sempre "um caniço que pensa” (Voltaire).

Conclui-se sem muito esforço que o indivíduo é, sim, uma frágil embarcação. Na sua trajetória existencial, mares bravios, ignotos "e nunca dantes navegados” (Camões) o inquietam, ameaçam e atemorizam. O mundo não deixa de ser um imenso oceano de ondas, perigos e fantasmas que, desde a mais longínqua antiguidade, mantém o ser humano numa atitude de vigilância e defesa. É aqui que se faz necessário descobrir o oceano infinito do amor de Deus.
Quando colocamos nosso pequeno barquinho nas águas se sua infinita misericórdia, os temores e tremores se convertem em coragem e confiança. Pode o Mestre estar dormindo, como o relato do Evangelho, mas está no barco e não o deixará afundar. Mais ainda, tem o poder de aplacar o furor da tempestade (Lc 8,22-25). Aliás, o sono tranquilo do Filho em meio ao mar agitado não será, para nós, o sinal mais forte de que a embarcação encontra-se segura nas mãos do Pai! Que podem as forças do mal diante do Criador?

Como reza o salmista, "só em Deus a minha alma tem repouso, porque dele é que me vem a salvação; só ele é meu rochedo e salvação, a fortaleza onde encontro segurança” (Sl 61). Ou ainda: "O Senhor é minha luz e salvação, de quem terei medo?
O Senhor é a fortaleza de minha vida. Frente a quem tremerei?” (Sl 27). Edith Stein traduz semelhante entrega com uma simplicidade e transparência admiráveis: "sei que sou sustentada, e nisso tenho serenidade e segurança – não a segurança autoconsciente do homem que está no chão firme por força própria, mas a segurança doce e feliz de uma criança carregada por braços fortes – uma segurança que é, objetivamente falando, não menos racional. Ou seria "racional" a criança viver permanentemente no temor de que sua mãe a possa deixar?” (Cfr. STEIN, Edith. Na força da cruz, coleção "clássicos da espiritualidade”, Ed. Cidade Nova, São Paulo, 2008).

A Família

Se deslocarmos o olhar da esfera pessoal para a esfera familiar, a tormenta em geral ganha uma magnitude mais perturbadora. Basta entrar no interior da casa de grande parte das famílias, ou de nosso próprio lar. Desemprego, doença, discórdia, gritos, violência – eis o oxigênio que se respira em não poucas delas. Nos dias de hoje, grande parte das famílias habitam não um lar, mas uma pensão. Cada um tem sua vida própria, aparecendo e desaparecendo para comer e dormir, numa prática individualista levado à potência extrema. Os apelos da mídia, especialmente de certos programas permissivos, ou de uma propaganda repetitiva e estridente, são furacões que rugem furiosamente em nossas portas e janelas. E nem adianta fechar portas e janelas!

Os apelos do marketing e da publicidade chegam pela TV, pelo computador, pelo celular e por toda essa parafernália da tecnologia de ponta. Nada contra as inovações tecnológicas. O mal é que os meios que foram inventados para aproximar as pessoas através da comunicação, acabam por separá-las. Multiplicam-se os laços virtuais e à distância em detrimento das relações primárias, familiares e de proximidade, cara a cara, olho no olho. Na concepção de Zygmunt Baumann, as relações sólidas, construídas lenta e laboriosamente, vão se derretendo. A "sociedade líquida”, com seus laços superficiais e descartáveis, toma o lugar dos contratos duradouros.

Isto para sequer falar das famílias devastadas pelo álcool, pelas drogas e por uma violência contínua. Aí as palavras se convertem em flechas que ferem e matam, enquanto o próprio silêncio não passa de um mutismo. Este é desértico, solitário, marcado pelo constrangimento, onde vigora a recusa da comunicação, ao passo que o verdadeiro silêncio é povoado, sereno e repousante. O mutismo é um monólogo que destila veneno e reprimida agressividade, cria abismos incomunicáveis; o silêncio, ao contrário, se reveste de profunda alegria, permitindo um diálogo mudo mas fértil e fecundo como a água da fonte.

Igual violência, que também destrói e desestrutura a convivência familiar, é o consumismo. Nunca houve tanto acesso aos utensílios de bem-estar e, ao mesmo tempo, nunca este foi tão raro. Pois as coisas do cotidiano, quando elevadas à condição de ídolos, murcham e matam o calor humano. De que adiantam dormitórios requintados de conforto, se lhes falta a intimidade do amor? De que servem salas ultramodernas e sofisticadas se nelas as visitas se sentem estranhas? De que adiantam cozinhas equipadas com o que há de mais avançado tecnologicamente, se o tempero do carinho não for a raiz e o fundamento da mesa, da partilha do pão e da vida? De que adiantam computadores, televisores e carros de última geração, se eles se interpõem entre os próprios familiares como objetos de adoração, descartando a possibilidade de uma convivência sadia e sólida?

Também no caso da família, a embarcação se revela muito frágil. Algumas à beira do abismo, ou, o que é pior, da indiferença. Nas águas turbulentas do mundo moderno e pós-moderno, a dupla de pilotos – pai e mãe – dificilmente logra manter firme o leme entre as mãos. Quantas casas navegam à deriva das ideias e ideologias mais obscuras e nocivas! Quantos desencontros dentro de um ambiente que deveria ser marcado pelo encontro! Novamente aqui, as ondas tempestuosas ameaçam mergulhar a casa no fundo do mar. A fragilidade do lar só encontrará verdadeira calmaria quando orientar seu barquinho para o lago cheio de luz e repousante do amor divino. Ali, no aconchego da fé e da esperança, a tormenta se relativiza e se reduz a proporções administráveis. Não, a tormenta não desaparecerá. A oração, a meditação e a contemplação não modificam nossos problemas pessoais ou familiares. Modificam, isso sim, nossa atitude diante deles. O medo e o desconforto são substituídos pela certeza de que Deus é o primeiro capitão do barco. O leme pode estar em nossas mãos, mas é Ele que ilumina e conduz pelo caminho da salvação.

A Sociedade

Mas as coisas se tornam bem mais complexas quando o mesmo olhar que percorreu o âmbito individual e familiar atinge a esfera da economia, da política, da cultura e da sociedade em seu conjunto. Neste nível, as ondas e as tormentas se tornam incomparavelmente mais ameaçadoras.
Na voracidade com que a economia de mercado se globaliza e atinge todos os povos e nações, o próprio Planeta Terra se converte numa frágil embarcação. Catástrofes de ordem gigantesca, naturais e/ou provocadas pela ação do modelo político-econômico vigente, ameaçam submergi-lo no caos primitivo. O ser humano, particularmente a partir da revolução industrial, informática e tecnológica, desencadeou uma máquina de produzir/consumir que hoje espaça de todo controle.

Países inteiros e pessoas são atropelados por uma vertiginosa avalanche de novidades, modismos e objetos. O globo terrestre não suporta semelhante ritmo de exploração de seus recursos naturais. Devastação, desertificação, poluição do ar e das águas, aquecimento global – são algumas das expressões que denotam a grande enfermidade que debilita o planeta. A vida em todas as suas formas –a biodiversidade– está em jogo.
Cada espécie em extinção, fauna ou flora, diminui progressivamente a qualidade de vida sobre a face da terra.

Na esfera socioeconômica e político-cultural, as coisas não são diferentes. Os desequilíbrios e assimetrias entre regiões, países e grupos constituem um verdadeiro terremoto estrutural, seguido de um tsunami de ondas humanas que se deslocam em todas as direções. Ondas visíveis que, simultaneamente, escondem e revelam transformações obscuras nas correntes subterrâneas.

Povos, línguas, bandeiras, moedas e costumes se misturam e se confundem por todos os lados.
Os deslocamentos humanos de massa, em princípio, são oportunidades que se abrem a pessoas, famílias e grupos inteiros. Também podem engendrar novos valores, na medida em que entrelaçam expressões culturais e se enriquecem mutuamente. Muitos, no entanto, são marcados pela violência e pela fuga, gerando massas e massas de refugiados em permanente diáspora. Errantes que, ao mesmo tempo, figuram como termômetros das mudanças em curso e profetas de uma nova civilização: justa e fraterna, solidária e sustentável.

São variadas e de variada força as ondas que se batem contra a convivência pacífica da humanidade. Que o digam as tensões e conflitos, guerras frias ou quentes, genocídios, neocolonialismo, desigualdades sociais, holocaustos e violência de todo gênero. O resultado é o desenraizamento de muitas pessoas, famílias e povos, migrantes em itinerância, onde a fome e a sede, a dor e a solidão costumam ser as únicas companheiras. Quatro irmãs siamesas que não podem esperar e exigem uma ação imediata de governos, entidades, igrejas, organizações não governamentais, cientistas, movimentos sociais...

Nesta imensa e ao mesmo tempo frágil embarcação que é o Planeta Terra, vale retornar novamente à espiritualidade de Edith Stein. Mulher que soube unir o próprio sofrimento e morte no campo de concentração nazista Auschwistz à cruz de Cristo.

Filósofa e mística, judia de nascimento e cristã por conversão, insistia que "a religião é raiz e fundamento de toda vida”. À pergunta de "como se pode começar a viver nas mãos do Senhor”, respondia com absoluta convicção: "Fica tranquilamente na igreja todo o tempo de que necessitas para encontrar serenidade e paz. Isso faz um bem enorme não somente a ti, mas também ao trabalho e a todas as pessoas com quem tens de lidar”. Com a alma serena apesar da consciência do que a esperava, concluía: "minha vida recomeça a cada manhã e termina a cada noite”.

Em tempos de gigantescas tempestades para o povo judeu, Edith Stein foi capaz de colocar sua frágil embarcação, como também a frágil embarcação de toda a vida humana, no infinito oceano de amor que é a misericórdia de Deus.
Digamo-lo com suas próprias palavras, transformando-as no ponto final desta reflexão: "existe uma vocação ao sofrimento de Cristo e, por meio deste, uma vocação a colaborar com sua obra de redenção.
Quando estamos unidos com o Senhor, somos membros do Corpo Místico de Cristo: Cristo continua vivendo em seus membros e continua sofrendo neles. Esse sofrimento, suportado em união com o Senhor, é o sofrimento Dele aplicado na grande obra redentora e que, nesta, se torna fecunda.
Trata-se de um pensamento fundamental de toda a vida religiosa” .
  

Pe. Alfredo J. Gonçalves


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terça-feira, 24 de abril de 2012

Vivendo a Ressurreição

“Fomos, pois, sepultados com ele na sua morte pelo batismo para que, como Cristo ressurgiu dos mortos pela glória do Pai, assim nós também vivamos uma vida nova.” Rm 6, 4

O evangelho segundo Mateus, na narração da morte de Jesus, relata que quando Jesus  entregou seu espírito ao Pai,  morrendo na cruz,  o véu do templo se rasgou de alto a baixo. Isto significa que, ao carregar sobre si o pecado de todos nós, pagando por ele o preço do nosso resgate pela morte e derramamento expiatório de Seu sangue, Jesus derrubou as barreiras que nos separavam do amor do Pai e nós temos acesso novamente ao Trono da Graça de onde todas as bênçãos vêm.  Continuando a narrativa, São Mateus relata que quando o véu do templo se rasgou, os sepulcros se abriram e os corpos de muitos justos ressuscitaram, saindo de suas sepulturas e entrando  na cidade santa depois da ressurreição de Jesus.
Nós podemos viver a ressurreição de Jesus na nossa vida se sairmos de nossos sepulcros para viver a vida nova que Jesus nos conquistou.  Cada vez que tivermos uma atitude de vida e não de morte, estamos saindo do sepulcro e ressuscitando com Jesus para a vida de filhos e filhas de Deus. Exemplificando, ao decidir por perdoar uma pessoa, estou tendo uma atitude de sair do sepulcro para a vida. Ajo da mesma forma quando resolvo  guardar silêncio ao invés de falar mal de alguém ou ainda decido rezar e louvar a Deus ao invés de me desesperar com os problemas e dificuldades. Outro exemplo é quando tomo a decisão de sorrir mais e reclamar menos e de cultivar a alegria e o coração agradecido.
São pequenos gestos de ressurreição, uns unidos aos outros, tecendo a nossa vida diária, que farão com que a alegria da ressurreição tome conta de nós e se espalhe ao nosso redor. Cada vez que decidimos romper com o pecado, cada vez que deixarmos Jesus reinar na nossa vida, cada vez que deixarmos o bem derrotar o mal, estaremos vivendo a ressurreição, a vida nova em Jesus. Morrendo para o pecado, nos tornamos vivos para Deus, como nos explica São Paulo na carta aos Romanos. (Rm 6, 11)
Façamos essa experiência de participar da gloriosa liberdade de filhos de Deus. Vivamos a nossa vida na força do Ressuscitado, ressuscitando também nós em cada decisão que tomarmos na nossa vida, em cada gesto e palavra, sempre optando pela vida, pelo bem, pelo amor, pela paz.
Na tarde do dia da ressurreição, Jesus apareceu aos discípulos e lhes disse: “A paz esteja convosco!”  Depois, soprou sobre eles dizendo-lhes: “Recebei o Espírito Santo.”  É portanto, na força do Espírito e na paz do Ressuscitado que nós podemos viver a nossa vida. Nós não somos mais escravos do mal, porque Jesus venceu o mal e nos garantiu vida nova. Para nos apossarmos dessa vida nova tudo o que temos que fazer é vivê-la. De nada nos adianta conhecer as maravilhas do Reino de Deus se nós não as vivermos.  Vivamos a ressurreição, vivamos a vida nova e cada dia da nossa vida será uma feliz Páscoa!

Maria Beatriz Spier Vargas
Secretária geral do Conselho Nacional da RCCBRASIL
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sexta-feira, 20 de abril de 2012

INTEGRAR A PRÓPRIA INCOMPLETUDE

O ser humano traz em si uma certa medida de incompletude e ausência, e a isso atesta a imensa “procura” que ele realiza ao longo de toda a sua vida.
Todos estão sempre à procura. Todos buscam incansavelmente na vida – consciente ou inconscientemente –, uma realidade que os possa completar.

Muitos procuram nos vícios, alguns em amores destemperados, outros ainda no dinheiro e nas posses… Mas o fato é que, se buscarmos em fontes erradas nossa incompletude se tornará ainda maior e nos sentiremos cada vez menos saciados.

Tal incompletude pode ser percebida nos mais variados momentos de nossa história, e principalmente naqueles nos quais, parece que irremediavelmente falta algo para nos sentirmos realmente completos na vida.
Essa incompletude é humana, é puramente existencial. Diante de tal constatação, o que se faz necessário para o coração que quer crescer é a madura atitude de buscar integrar as próprias ausências. Mas como realizar isso?

Para tal pergunta nem sempre respostas prontas e encomendadas serão eficazes – apesar de muitos as perseguirem e até as exigirem… Contudo, diante de tal questionamento torna-se perceptível que, para que este êxito de integração aconteça, é necessário recorrer a fontes que de fato nos possibilitem um encontro com nossa própria identidade, e isso sem negar sua real essência e verdade.

E nesse encontro é preciso também renunciar a toda deformidade que possa ter sido agregada a esta identidade, mas que na verdade não é parte integrante do que essencialmente se é.

Quando conhecemos o que somos e como funcionamos, e também o que não somos – e que a vida e as circunstâncias acabaram nos acrescentando –, poderemos verdadeiramente estabelecer metas que nos possibilitem compreender onde queremos chegar, integrando assim nossas ausências em um projeto maior.

Assim não empreenderemos energias à toa, apenas “procurando” uma forma concreta para eliminar a própria incompletude. Mas, de maneira consciente nos reconciliaremos com esta (incompletude), dando passos concretos na busca de ideais que nos integrem e nos tornem mais completos (lembrando que isso não é uma resposta pronta e absoluta, mas somente uma provocação para construí-la…).

Conhecer-se é o primeiro requisito para integrar-se. Quem se conhece e se compreende, retirando de si inverdades assumidas, conseguirá procurar um sentido para a vida de maneira certa.

Quem se assume no que é – desde que não seja em uma deformidade falsamente agregada – eliminará a parte de incompletude que brota do fato não saber em qual direção empreender os dias.
Integrar a própria incompletude é tarefa que só se acontece a caminho. A cada passo dado, assumindo-se e assumindo um Sentido que agregue sentido à vida, as ausências se dissiparão e os vazios poderão ser portadores de infinitas presenças.

Assim o coração poderá se tornar mais completo e encontrado na vida, podendo também empregar seus belíssimos esforços na aquisição de uma integrada e, possível, felicidade.

Pe Adriano Zandoná
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quinta-feira, 19 de abril de 2012

PRIMEIRO RETRATO DA IGREJA DE CRISTO

As Sagradas Escrituras mostram claramente a Igreja, comparando-a a um barco na qual Jesus Cristo está sempre presente, mesmo que às vezes pareça estar adormecido. Esta concepção está presente em Mt 8, 23-27, que diz claramente que Jesus está pronto para ajudar-nos em qualquer situação. O barco atravessa o oceano, e enfrenta calmarias e tempestades, sempre amparado pelo próprio Jesus, seguindo seu rumo e não sabendo quando chegará ao porto.

A Igreja foi edificada sobre o firmamento dos apóstolos, e eles (e mais ninguém) foram enviados para desalienar a humanidade (Mt 10), recebendo toda a autoridade de Jesus Cristo. Dirigida por seus legítimos sucessores através do sacramento da Ordem, a Igreja vem rompendo os séculos, passando por muitas turbulências, porém sempre amparada pelo próprio Jesus.

A Igreja se manifestou publicamente pela primeira vez no dia de Pentecostes, quando tomados pelo Espírito Santo, os apóstolos puseram-se a pregar as multidões. Se observarmos a passagem bíblica, veremos que no dia de Pentecostes os discípulos estavam reunidos, com Maria a Mãe de Jesus e mais alguns homens e mulheres, quando inesperadamente veio um vento forte dos céus e o Espírito Santo repousou sobre todos.
E é a partir daí, impulsionados pelo paráclito prometido por Jesus Cristo que os discípulos se põem a pregar, que a Igreja se manifesta perante as pessoas.

Pedro foi o primeiro a levantar e a pregar (At 2, 14) levando muitos a conversão e ao batismo. A partir de então a Igreja passa a atuar publicamente pelas mãos dos apóstolos, estes que foram impulsionados pelo poder do Espírito Santo, que é um com o Pai e o Filho.
A partir de At. 2, 42, pode-se observar o primeiro retrato de comunidade, onde as pessoas viviam em prol de um bem comum, na partilha e oração, sempre sob a orientação dos apóstolos. Muitos milagres e prodígios eram realizados pelas mãos dos apóstolos, pelo nome de Jesus (At 3, 6-8; 9, 40-42).

Eles eram inspirados e realizavam grandes pregações que levavam cada vez mais pessoas a aderirem a féem Jesus Cristo, e mesmo diante de grandes dificuldades não desistiam jamais de pregar a Boa nova de Jesus. Com o aumento de fiéis, os discípulos escolheram sete homens (At 6, 3) para cuidar exclusivamente da pregação da palavra, enquanto os outros cuidavam dos outros afazeres.

Surgiam dentre os fiéis, grandes discípulos que pregavam a palavra e realizavam numerosos prodígios, como Estevão, que cheio de graça e poder, fazia grandes prodígios e sinais entre o povo (At 6, 8).
Por ser um grande pregador despertou a ira de muitos poderosos da época, que acabaram por apedrejá-lo publicamente, mas ainda assim Estevão não perdeu a fé e clamou a Deus que perdoasse seus algozes (At 7, 60).
O manto de Estevão foi deixado aos pés de um jovem chamado Saulo…

Doutrina Católica
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As “novas” configurações familiares

O vocábulo novo nos enche de uma expectativa gostosa de que algo de bom surge. De que podemos estar certos de que o sol vai brilhar após uma adversidade, de que nos perdoaremos ao percebermos que estamos errados, de que um dia todos terão um trabalho digno. De que há, ainda, possibilidade de sonhar!

Novo é antônimo de velho. Não que esta palavra designe tristeza, ou mesmo algo superado. O que é velho pode ser bom, mas, ao mencionarmos um fato novo, pensamos sempre em uma novidade. Alegria está engastada nesta palavra [novo].

Quando  nos referimos às novas famílias nos remetemos de imediato a pessoas que se unem em torno de uma mesa e conversam, gargalham, trocam ideias. Indivíduos que lutam pelo bem estar comum, que buscam a felicidade do outro. Para os que creem, famílias novas nada mais são do que famílias tementes a Deus, que vivem o Evangelho e dão um testemunho cristão no mundo de hoje.
Nesse contexto, uma família é nova quando, simplesmente, é aquilo o que é, na sua essência. Redundante? Talvez! Não seria necessário as denominarmos de novas se não tivessem se desviado de seu rumo. Se não tivessem se afastado da família modelo, a Família de Nazaré. Se os lares da pós-modernidade, dominados pela falta de referência e de valores cristãos, não tivessem deslocado o foco de suas existências, trocado o calor humano pela indiferença. Se os esposos soubessem a quem recorrer nas adversidades. E, especialmente, se em uma grande maioria de residências a televisão ou a Internet não ocupassem o lugar primordial; enquanto a Bíblia encontra-se cheia de teias de aranha, fadada ao esquecimento.

Ao criar o homem e a mulher, Deus os ordena à união e à procriação, portanto, a família não é uma obra humana. O próprio Deus é autor do Matrimônio (Gn 1,28;2,24).
Sendo, pois, estabelecido pelo próprio Deus, o vínculo matrimonial é de tal modo que, o casamento validamente realizado e consumado entre homem e mulher batizados, jamais pode ser dissolvido. O sacramento do Matrimônio possui uma graça própria, que se destina a aperfeiçoar o amor dos cônjuges, a fortificar sua unidade indissolúvel. Através dessa graça, ambos se ajudam na santificação mútua, na aceitação e educação dos filhos (CIC, 1640, 1641).

Não são então, sem qualquer sombra de dúvida, os valores da sociedade civil que sustentam uma família, que permitem que ela permaneça de pé ante as situações desafiantes de sua existência. É algo bem mais profundo e consistente! Jesus fala claramente no Evangelho que a “casa” deve ser edificada sobre a Rocha (Mt 7,24-27). Ele não se refere a uma rocha qualquer, mas à Rocha que é Ele mesmo. Há uma clareza plena em suas palavras. A multidão que o escutava ficou impressionada com sua doutrina, diz a Bíblia.
Está a Palavra de Deus desatualizada? Com certeza, não!
Então reflitamos brevemente sobre o que aconteceu com a família nos últimos tempos.

A família na atualidade

A contemporaneidade nos traz tipos de uniões os mais diversificados. Há pais do mesmo sexo, pais de sexos diferentes, namorados da mãe, namorados do pai, meios irmãos. Há que diga que não assistimos a agonia da família, mas sua reinvenção (OLIVEIRA, 2010). Uma coisa é fato: nunca os papéis masculinos e femininos, paternos e maternos estiveram tão confusos! As crianças nem sempre sabem a quem procurar e qual é, verdadeiramente, seu lugar na família em que está inserida. Uma maneira interessante de se perceber essa realidade é solicitando a uma criança que faça o desenho de sua família. Pode acontecer que ela desenhe, por exemplo, sua mãe, ela e outro irmão, sem a figura do pai. Ao ser indagada onde está o pai, ela solicitará outro papel e o desenhará com uma outra companheira e outros meios-irmãos. Fruto de que essa atitude?

A década de 1970 irrompeu na história mundial com novos conceitos de liberdade e com o feminismo, trazendo repercussões em todo o Ocidente. O movimento de contra-cultura, já iniciado nos anos 1960, trouxe um grito de independência para a mulher. O cigarro, o álcool, as drogas mais pesadas, o movimento hippie, o uso do anticoncepcional, e, de modo singular, o trabalho e a possibilidade de não depender financeiramente do companheiro, eram novidades atraentes para o universo feminino. De início, os homens também acolheram entusiasmados essa inovação, mas, pouco a pouco, foi-se dando uma invasão, uma penetração dos papéis femininos nos masculinos e vice-versa. Ficou caracterizada a confusão.

As uniões matrimoniais até então estáveis, sem a existência do divórcio, no Brasil, ficaram abaladas. O “até que a morte os separe”, ditado na fórmula do Matrimônio, entrou em crise porque em crise estavam também aqueles que desejavam constituir uma nova família. A música “Ai que saudades da Amélia”, de Ataulfo Alves e Mário Lago, ganhou destaque porque colocava em conflito dois tipos de mulheres, a submissa e a exigente, expressões usadas pela letra em questão. A liberalidade sexual atingiu o extremo, e o ser humano passou a experimentar de tudo. Tornou-se de fato escravo de suas paixões. E, como se encontra na Bíblia Sagrada, na Carta de São Paulo aos Romanos, o homem, conhecendo a Deus, não o glorificou mais como tal. “Trocaram a verdade de Deus pela mentira, e adoraram e serviram à criatura em vez do Criador, que é bendito pelos séculos, Amém!” (Rm 1,25).  

Família, fonte de vida e construtora da paz

Retomando então ao início de nossa reflexão, podemos compreender o que se passa com a família na atualidade. Deus, os valores do Céu deixaram de ser a motivação da constituição familiar na sociedade laicizada da pós-modernidade. Para aqueles que estão sem rumo, a família passa a ser questionada e, aglomerados difusos e estranhos de pessoas que se unem por causa de suas carências e desestruturas, tomam o nome de família, mas jamais sua missão e função!
O Beato João Paulo II, quando papa, escreveu na Exortação Apostólica Familiaris Consortio: “A família, nos tempos de hoje, tanto e talvez mais que outras instituições, tem sido posta em questão pelas amplas, profundas e rápidas transformações da sociedade e da cultura. Muitas famílias vivem esta situação na fidelidade àqueles valores que constituem o fundamento do instituto familiar”.

O que dizer então? A família não morreu! Sua natureza divina a preserva. Não podemos perder a esperança de vermos o homem nascer e viver em paz em sua família. Como cristãos católicos, precisamos ter um fino discernimento acerca desse tema. Não ter medo de posicionar-se, orar sempre, e pedir a intercessão de Maria, nossa Mãe.   
O que existe na contemporaneidade não nos deve assustar, mas firmar nossa fé em Deus e nosso espírito de luta e de partilha no seio de nossas famílias. Sair de nós mesmos e caminhar na direção daqueles que precisam de ajuda e de testemunho de famílias que, na verdade, não são novas, mas que trazem em sua essência sua missão inalienável. O que Deus pensa acerca das famílias? Do amor entre os cônjuges? Dos filhos?

No documento “Carta às Famílias”, o Beato João Paulo II ressalta a estreita relação entre o Mistério Divino da Encarnação do Verbo e a família. O homem e a família constituem “a via da Igreja”.   
O que pode permitir que as famílias continuem sua missão? O conhecimento de sua natureza divina. A oração entre seus membros. A oração do casal, partes fecundas da aliança conjugal. O dobrar os joelhos diante de Deus, haurindo forças e sabedoria para a vivência dos desafios, sem perder de vista sua origem sobrenatural, intrínseca de sua constituição. Eis que a família é de Deus! Recorramos a Ele! É desejo de seu coração amoroso e paterno que sejamos felizes. Ele, somente Ele, pode nos revelar o caminho para a felicidade no seio familiar.  


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Fontes:
BÍBLIA SAGRADA.  5. ed.  São Paulo: Ave-Maria.
CARTA DO PAPA JOÃO PAULO II ÀS FAMÍLIAS, 1994.
CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA.
JOÃO PAULO II. Exortação Apostólica Familiaris Consortio, 1981.
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sábado, 14 de abril de 2012

Festa da Divina Misericórdia

Um dos elementos mais importantes da devoção à Divina Misericórdia presentes nas revelações de Nosso Senhor à Santa Faustina é a Festa da Misericórdia. No Diário o tema recorrem em 37 números, em 16 dos quais nos deparamos com uma manifestação extraordinária de Jesus a seu respeito. Com efeito, aos 22/02/1931, uma das primeiras revelações de Jesus à Santa Faustina diz respeito à Festa da Misericórdia, que deveria ser celebrada no 2º domingo da Páscoa:

Eu desejo que haja a Festa da Misericórdia. Quero que essa Imagem, que pintarás com o pincel, seja benzida solenemente no primeiro domingo depois da Páscoa, e esse domingo deve ser a Festa da Misericórdia” (Diário, 49; cf. 88; 280; 299b; 458; 742; 1048; 1517).

A Festa é uma obra divina, mas Ele quer que Santa Faustina se empenhe tanto em sua implantação (D. 74; 341; 463; 1581; 1680), como em seu incremento: “Na Minha festa, na Festa da Misericórdia, percorrerás o mundo inteiro e trarás as almas que desfalecem à fonte da Minha misericórdia. Eu as curarei e fortalecerei” (D. 206); “Pede ao Meu servo fiel que, nesse dia, fale ao mundo inteiro desta Minha grande misericórdia, que aquele que, nesse dia, se aproximar da Fonte da Vida, alcançará perdão total das culpas e penas” (D. 300a; cf. 1072). Santa Faustina abraça com toda a alma esta causa, pelo que exclama e reza: “Oh! como desejo ardentemente que a Festa da Misericórdia seja conhecida pelas almas!” (D. 505); “Apressai, Senhor, a Festa da Misericórdia, para que as almas conheçam a fonte da Vossa bondade” (D. 1003; cf. 1041). Jesus leva a sério a dedicação de Santa Faustina nesta missão: “Pelos teus ardentes desejos, estou apressando a Festa da Misericórdia...” (D. 1082; cf. 1530), e por isso o demônio procura atrapalhar o seu caminho (D. 1496).

Em 1935, no domingo de encerramento do Jubileu da Redenção, Santa Faustina participa da Eucaristia como se estivesse celebrando a Festa da Misericórdia; Jesus então se lhe manifesta como está na imagem e lhe diz: “Essa Festa saiu do mais íntimo da Minha misericórdia e está aprovada nas profundezas da Minha compaixão. Toda alma que crê e confia na Minha misericórdia irá alcançá-la” (D. 420; cf. 1042; 1073). Sabe, contudo, que talvez não participe em vida da sua celebração, mas nem por isso se desanima: “Eu sou apenas Seu instrumento. Oh! quão ardentemente desejo ver essa Festa da Misericórdia Divina que Deus está exigindo através de mim, mas se for a vontade de Deus e se ela tiver que ser comemorada solenemente apenas depois da minha morte, eu já agora me alegro com ela e já a comemoro interiormente com a permissão do confessor” (D. 711). Chega a tomar conhecimento – por iluminação divina – das disputas que se dão no Vaticano por causa desta Festa (D. 1110; cf. 1463) e dos avanços positivos a seu respeito através do Beato Pe. Sopocko (D. 1254). A Festa propriamente dita seria celebrada no Santuário de Cracóvia-Lagiewniki seis anos após a morte de Santa Faustina (1944).

Fica patente no Diário que existe uma relação muito estreita entre Festa da Misericórdia e veneração do quadro, proclamação da divina misericórdia, confiança nesta divina misericórdia, participação nos sacramentos (Eucaristia e Confissão) e remissão dos pecados (culpas e penas):

A tua tarefa e obrigação é pedir aqui na Terra a misericórdia para o mundo inteiro. Nenhuma alma terá justificação, enquanto não se dirigir, com confiança, à Minha misericórdia. E é por isso que o primeiro domingo depois da Páscoa deve ser a Festa da Misericórdia. Nesse dia, os sacerdotes devem falar às almas desta Minha grande e insondável misericórdia. Faço-te dispensadora da Minha misericórdia. Diz ao teu confessor que aquela Imagem deve ser exposta na igreja, e não dentro da clausura desse Convento. Por meio dessa Imagem concederei muitas graças às almas; que toda alma tenha, por isso, acesso a ela” (D. 570); “Desejo que a Festa da Misericórdia seja refúgio e abrigo para todas as almas, especialmente para os pecadores. Neste dia, estão abertas as entranhas da Minha misericórdia. Derramo todo um mar de graças sobre as almas que se aproximam da fonte da Minha misericórdia. A alma que se confessar e comungar alcançará o perdão das culpas e das penas. Nesse dia, estão abertas todas as comportas divinas, pelas quais fluem as graças. Que nenhuma alma tenha medo de se aproximar de Mim, ainda que seus pecados sejam como o escarlate. A Minha misericórdia é tão grande que, por toda a eternidade, nenhuma mente, nem humana, nem angélica a aprofundará. Tudo o que existe saiu das entranhas da Minha misericórdia. Toda alma contemplará em relação a Mim, por toda a eternidade, todo o Meu amor e a Minha misericórdia. A Festa da Misericórdia saiu das Minhas entranhas. Desejo que seja celebrada solenemente no primeiro domingo depois da Páscoa” (D. 699); “Desejo conceder indulgência plenária às almas que se confessarem e receberem a Santa Comunhão na Festa da Minha misericórdia” (D. 1109).

Em 1936 o Senhor lhe pede que esta Festa seja preparada espiritualmente: “O Senhor me disse para rezar o Terço da Misericórdia por nove dias antes da Festa da Misericórdia. Devo começar na Sexta-feira Santa. Através desta novena concederei às almas toda espécie de graças” (D. 796; cf. 1059; 1209). A relevância desta Festa se pode depreender também da seguinte exortação e promessa: “As almas se perdem, apesar da Minha amarga Paixão. Estou lhes dando a última tábua de salvação, isto é, a Festa da Minha Misericórdia. Se não venerarem a Minha misericórdia, perecerão por toda a eternidade” (D. 965; cf. 998).

Não fechemos o nosso coração: ouçamos a voz do Senhor! Caro devoto e apóstolo, não deixe de participar da grande Festa da Divina Misericórdia em nosso Santuário ou onde lhe for mais conveniente! Prepare-se com uma boa confissão, traga o seu quadro e convide os seus parentes e amigos! Eis o tempo da graça, eis o dia da salvação!

Portal da Divina Misericórdia
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Nota da CNBB sobre o aborto de Feto Anencefálico

A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB lamenta profundamente a decisão do Supremo Tribunal Federal que descriminalizou o aborto de feto com anencefalia ao julgar favorável a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 54. Com esta decisão, a Suprema Corte parece não ter levado em conta a prerrogativa do Congresso Nacional cuja responsabilidade última é legislar.
Os princípios da “inviolabilidade do direito à vida”, da “dignidade da pessoa humana” e da promoção do bem de todos, sem qualquer forma de discriminação (cf. art. 5°, caput; 1°, III e 3°, IV, Constituição Federal), referem-se tanto à mulher quanto aos fetos anencefálicos. Quando a vida não é respeitada, todos os outros direitos são menosprezados, e rompem-se as relações mais profundas.
Legalizar o aborto de fetos com anencefalia, erroneamente diagnosticados como mortos cerebrais, é descartar um ser humano frágil e indefeso. A ética que proíbe a eliminação de um ser humano inocente, não aceita exceções. Os fetos anencefálicos, como todos os seres inocentes e frágeis, não podem ser descartados e nem ter seus direitos fundamentais vilipendiados!
A gestação de uma criança com anencefalia é um drama para a família, especialmente para a mãe. Considerar que o aborto é a melhor opção para a mulher, além de negar o direito inviolável do nascituro, ignora as consequências psicológicas negativas para a mãe. Estado e a sociedade devem oferecer à gestante amparo e proteção
Ao defender o direito à vida dos anencefálicos, a Igreja se fundamenta numa visão antropológica do ser humano, baseando-se em argumentos teológicos éticos, científicos e jurídicos. Exclui-se, portanto, qualquer argumentação que afirme tratar-se de ingerência da religião no Estado laico. A participação efetiva na defesa e na promoção da dignidade e liberdade humanas deve ser legitimamente assegurada também à Igreja.
A Páscoa de Jesus que comemora a vitória da vida sobre a morte, nos inspira a reafirmar com convicção que a vida humana é sagrada e sua dignidade inviolável.
Nossa Senhora Aparecida, Padroeira do Brasil, nos ajude em nossa missão de fazer ecoar a Palavra de Deus: “Escolhe, pois, a vida” (Dt 30,19).

Cardeal Raymundo Damasceno Assis
Arcebispo de Aparecida
Presidente da CNBB

Leonardo Ulrich Steiner
Bispo Auxiliar de Brasília
Secretário Geral da CNBB
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domingo, 8 de abril de 2012

Domingo de Páscoa


O Domingo de Páscoa, ou a Vigília Pascal, é o dia em que até mesmo a mais pobre igreja se reveste com seus melhores ornamentos, é o ápice do ano litúrgico. É o aniversário do triunfo de Cristo. É a feliz conclusão do drama da Paixão e a alegria imensa depois da dor. E uma dor e alegria que se fundem pois se referem na história ao acontecimento mais importante da humanidade: a redenção e libertação do pecado da humanidade pelo Filho de Deus.
São Paulo nos diz : "Aquele que ressuscitou Jesus Cristo devolverá a vida a nossos corpos mortais". Não se pode compreender nem explicar a grandeza da Páscoa cristã sem evocar a Páscoa Judaica, que Israel festejava, e que os judeus ainda festejam, como festejaram os hebreus há três mil anos. O próprio Cristo celebrou a Páscoa todos os anos durante a sua vida terrena, segundo o ritual em vigor entre o povo de Deus, até o último ano de sua vida, em cuja Páscoa aconteceu na ceia e na istituição da Eucaristia.
Cristo, ao celebrar a Páscoa na Ceia, deu à comemoração tradicional da libertação do povo judeu um sentido novo e muito mais amplo. Não é a um povo, uma nação isolada que Ele liberta, mas ao mundo inteiro, a que prepara para o Reino dos Céus. A Páscoa cristã - cheia de profunda simbologia - celebra a proteção que Cristo não cessou nem cessará de dispensar à Igreja até que Ele abra as portas da Jerusalém celestial. A festa da Páscoa é, antes de tudo, a representação do acontecimento chave da humanidade, a Ressurreição de Jesus depois de sua morte consentida por Ele para o resgate e a reabilitação do homem caído. Este acontecimento é um dado histórico inegável. Além de que todos os evangelistas fizeram referência. São Paulo confirma como o historiador que se apoia, não somente em provas, mas em testemunhos.
Páscoa é vitória, é o homem chamado a sua maior dignidade. Como não se alegrar pela vitória d'Aquele que tão injustamente foi condenado à paixão mais terrível e à morte de cruz?, pela vitória d'Aquele que anteriormente foi flagelado, bofeteado, cuspido, com tanta inumana crueldade.
Este é o dia da esperança universal, o dia em que em torno ao ressuscitado, se unem e se associam todos os sofrimentos humanos, as desolusões, as humilhações, as cruzes, a dignidade humana violada, a vida humana respeitada.
A Ressurreição nos revela a nossa vocação cristã e nossa missão: aproximá-la a todos os homens. O homem não pode perder jamais a esperança na vitória do bem sobre o mal. Creio na Ressurreição?, a proclamo?; creio em minha vocação e missão cristã, a vivo?; creio na ressurreição futura? , me alenta nesta vida?, são perguntas que devem ser feitas.
A mensagem redentora da Páscoa não é outra coisa que a purificação total do homem, a libertação de seus egoísmos, de sua sensualidade, de seus complexos, purificação que, ainda que implique em uma fase de limpeza e saneamento interior, contudo se realiza de maneira positiva com dons de plenitude, com é a iluminação do Espírito, a vitalização do ser por uma vida nova, que transborda alegria e paz - suma de todos os bens messiânicos-, em uma palavra, a presença do Senhor ressuscitado. São Paulo o expressou com incontida emoção neste texto: " Se ressuscitastes com Cristo, então vos manifestareis gloriosos com Ele".
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sexta-feira, 6 de abril de 2012

AS "SETE PALAVRAS DE CRISTO NA CRUZ"

Por Leandro Martins de Jesus

“Ó admirável poder da Cruz! Ó inefável glória da Paixão! Nela se encontra o tribunal do Senhor, o julgamento do mundo, o poder do Crucificado!” (São Leão Magno, Papa e Doutor da Igreja).
Nosso Senhor Jesus Cristo, após cravado na Santa Cruz para sofrer a Paixão a fim de nos salvar proferiu sete Palavras que ficaram consignadas no coração da Igreja. Essas Palavras de Cristo na Cruz, objeto de meditação dos Santos Padres e Doutores, compõem um tesouro singular que o Senhor nos deixou no momento em que consumava o Mistério de nossa Redenção. Passemos então a conhecer e aprofundar-nos nessas eficazes Palavras que Senhor nos confiou. (cf. II Tim 3,16-17).

1ª Palavra: “Pai, perdoai-lhes, por que não sabem o que fazem” (Lc 23,34).

Na Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo, se efetiva o Mistério da Redenção do gênero humano, com efeito, “por sua paixão, Cristo livrou-nos de Satanás e do pecado. Ele nos mereceu a vida nova no Espírito Santo. Sua graça restaura o que o pecado deteriorou em nós”. (Catecismo da Igreja Católica §1708)
A primeira Palavra que Cristo profere na Cruz, é a súplica do perdão: “Pai, perdoai-lhes, por que não sabem o que fazem”. Em meio à humanidade devastada pelo pecado, em meio ao povo enganado que pedia a morte do Cordeiro inocente, Cristo tem compaixão e pede o perdão para aqueles que o condenam.
Neste momento final, Cristo retoma o ensino que outrora tinha proferido: “Amai os vossos inimigos, fazei bem aos que vos odeiam, orai pelos que vos maltratam e perseguem” (Mt 5,44). Dessa forma ele deixa claro a necessidade e a importância do perdão, necessidade essa consignada na oração que Ele mesmo ensinou a seus discípulos: “perdoai-nos as nossas ofensas, assim como nós perdoamos aos que nos ofenderam” (Mt 6,12).
“Então Pedro se aproximou dele e disse: Senhor, quantas vezes devo perdoar a meu irmão, quando ele pecar contra mim? Até sete vezes? Respondeu Jesus: Não te digo até sete vezes, mas até setenta vezes sete” (Mt 18,21-22).
Que ensino grandioso Nosso Senhor nos deixa nesta primeira Palavra proferida na Cruz, em meio a toda dor e sofrimento em que se encontrava, por amor à humanidade, Ele não pensa em si, mas pede por aqueles que o persegue.
“Ó ternura do amor de Jesus Cristo para com os homens! Diz S. Agostinho que o Salvador, na mesma hora em que recebia injúrias de seus inimigos, procurava-lhes o perdão: não atendia tanto às injúrias que deles recebia e à morte a que o condenavam, como ao amor que o obrigava a morrer por eles. Mas, dirá alguém, por que foi que Jesus pediu ao Pai que lhes perdoasse, quando ele mesmo poderia perdoar- lhes as injúrias? Responde S. Bernardo que ele rogou ao Pai, “não porque não pudesse pessoalmente perdoar-lhes, mas para nos ensinar a orar pelos que nos perseguem”. (LIGÓRIO, Afonso M. de. A Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo.Vol II,  Ed.PDF, Fl. Castro, abril 2002,p.19)
E São Paulo, ao evangelizar os pagãos iria justamente transmitir esse ensinamento recebido do Senhor (cf. I Cor 11,23):
“Abençoai os que vos perseguem; abençoai-os, e não os praguejeis. Não pagueis a ninguém o mal com o mal. Aplicai-vos a fazer o bem diante de todos os homens. Não vos vingueis uns aos outros, caríssimos, mas deixai agir a ira de Deus, porque está escrito: A mim a vingança; a mim exercer a justiça, diz o Senhor (Dt 32,35). Se o teu inimigo tiver fome, dá-lhe de comer; se tiver sede, dá-lhe de beber. Procedendo assim, amontoarás carvões em brasa sobre a sua cabeça (Pr 25,21s).Não te deixes vencer pelo mal, mas triunfa do mal com o bem”. (Rom 12, 14.17.19-21)
Assim, nesta primeira Palavra de Cristo na Cruz, tomamos consciência da importância fundamental do perdão na vida do Cristão, pois “Se alguém disser: Amo a Deus, mas odeia seu irmão, é mentiroso. Porque aquele que não ama seu irmão, a quem vê, é incapaz de amar a Deus, a quem não vê. Temos de Deus este mandamento: o que amar a Deus, ame também a seu irmão”. (Jo 4,20-21).
2ª Palavra: “Em verdade eu te digo: Hoje estarás comigo no paraíso” (Lc 23,43).
Quando Cristo profere a segunda Palavra na Cruz, observamos dois ladrões crucificados, um de cada lado. Nestes dois ladrões vemos a prefiguração de duas atitudes que podemos abraçar em nossa vida: a atitude do desespero em meio ao sofrimento, zombando da salvação e, por conseguinte do Salvador; e a atitude de reconhecimento e confissão do pecado, resignação em meio ao sofrimento presente, com vistas na esperança da glória futura.
Neste momento da Paixão, temos uma cena de ultrajes contra o Salvador:
 A multidão conservava-se lá e observava. Os príncipes dos sacerdotes escarneciam de Jesus, dizendo: Salvou a outros, que se salve a si próprio, se é o Cristo, o escolhido de Deus! Do mesmo modo zombavam dele os soldados. Aproximavam-se dele, ofereciam-lhe vinagre e diziam: Se és o rei dos judeus, salva-te a ti mesmo.  Por cima de sua cabeça pendia esta inscrição: Este é o rei dos judeus. Um dos malfeitores, ali crucificados, blasfemava contra ele: Se és o Cristo, salva-te a ti mesmo e salva-nos a nós!  Mas o outro o repreendeu: Nem sequer temes a Deus, tu que sofres no mesmo suplício? Para nós isto é justo: recebemos o que mereceram os nossos crimes, mas este não fez mal algum. E acrescentou: Jesus, lembra-te de mim, quando tiveres entrado no teu Reino! Jesus respondeu-lhe: Em verdade te digo: hoje estarás comigo no paraíso(Lc 23,35-43).
Que ensino grandioso recebemos de Nosso Senhor ao conceder ao penitente arrependido a Salvação eterna: hoje estarás comigo no paraíso! Com estas palavras salvíficas Jesus nos mostra que se nos arrependermos dos nossos pecados, O reconhecermos como nosso Salvador (cf. Jo 1,12) e O buscarmos diligentemente, sem dúvidas estaremos com Ele.
Ora, Nosso Senhor veio para “salvar o que estava perdido” (Mt 18,11), e como predisse o profeta Ezequiel (cf. Ez 18,21-22), aquele que se arrepende dos pecados os tem como que apagados pelo Senhor, estando liberto para uma nova vida, a vida da graça.
Sobre a grandiosidade desta palavra de Cristo, ensina com maestria e inspiração S. Afonso de Ligório:
“Em verdade eu te digo que hoje estarás comigo no paraíso”. Escreve um douto autor que com essa palavra o Senhor nesse mesmo dia, imediatamente depois de sua morte, se lhe mostrou sem véu, fazendo-o imensamente feliz, embora não lhe conferisse todas as delícias do céu antes de entrar nele. Arnoldo Carnotense, no seu Tratado das 7 palavras, considera todas as virtudes que o bom ladrão S. Dimas praticou na sua morte: “Ele crê, se arrepende, confessa, prega, ama, confia e ora”. Praticou a fé, dizendo: “Quando chegares no teu reino”, crendo que Jesus Cristo depois de sua morte havia de entrar vitorioso no reino de sua glória. “Teve por perto que havia de reinar quem ele via morrer”, diz S. Gregório. Exerceu a penitência, confessando seus pecados: “Nós padecemos justamente, pois recebemos o que merecemos”. Diz S. Agostinho: Não ousou dizer: lembra-te de mim, senão depois da confissão de sua iniqüidade e de depor o fardo de suas iniqüidades (Serm. 130 de templ.). E S. Atanásio: “Ó bem-aventurado ladrão, que roubaste o céu com essa confissão”. Outras belas virtudes praticou então esse santo penitente: a pregação, anunciando a inocência de Jesus: “Este, porém, nenhum mal praticou”. Exerceu o amor para com Deus, aceitando a morte com resignação em castigo de seus pecados: “Recebemos o que merecemos”. S. Cipriano, S. Jerônimo, S. Agostinho não duvidam por isso de chamá-lo mártir, porque os algozes, ao quebrarem-lhe as pernas, o fizeram com maior atrocidade, por ter louvado a inocência de Jesus, aceitando esse sofrimento por amor de seu Senhor.” (LIGÓRIO, Afonso M. de. Op.cit, p.20)
Assim, diante destes fatos, fica-nos a lição da perseverança em meio às provações, do repudio que devemos ter ao pecado, do reconhecimento do Cristo como Nosso Senhor e da Salvação que ele nos traz. Com efeito nos diz São Paulo:“Coisas que os olhos não viram, nem os ouvidos ouviram, nem o coração humano imaginou (Is 64,4), tais são os bens que Deus tem preparado para aqueles que o amam. (ICor 2,9). Tenho para mim que os sofrimentos da presente vida não têm proporção alguma com a glória futura que nos deve ser manifestada”. (Rom 8,18).
3ª Palavra: “Mulher, eis ai teu filho. Eis ai tua mãe” (Jo 19,26-27).
Na terceira Palavra de Cristo na Cruz, em meio a todo o sofrimento, Jesus mais uma vez, numa prova inequívoca de amor à humanidade, nos dá a graça de termos a Sua santa Mãe por nossa mãe! Vejamos o relato do Evangelho:
“Junto à cruz de Jesus estavam de pé sua mãe, a irmã de sua mãe, Maria, mulher de Cléofas, e Maria Madalena. Quando Jesus viu sua mãe e perto dela o discípulo que amava, disse à sua mãe: Mulher, eis aí teu filho. Depois disse ao discípulo: Eis aí tua mãe. E dessa hora em diante o discípulo a levou para a sua casa”. (Jo 19,25-27).
Esta Palavra nos revela fatos muito importantes, é uma prova de que Nossa Senhora não possuía outros filhos, pois caso contrário não poderia estar desamparada neste momento, revela-nos que era viúva de São José, que também não se encontrava ao seu lado, como também o afirma S. Afonso de Ligório:
“Com isso deu a entender que José já era morto, porque se ele ainda vivesse não o teria separado de sua esposa” (LIGÓRIO, Afonso M. de. Op.cit, p.21).
Outra revelação magnífica dessa Palavra é a necessidade de tão boa Mãe a nos acompanhar em nossa caminhada rumo ao Salvador, ora todos os atos de Nosso Senhor Jesus Cristo, são atos salvíficos, assim, sendo, ao nos dar Sua Mãe como nossa Mãe, Jesus Cristo visava a nossa salvação. João neste momento, o discípulo amado, era a prefiguração de cada um de nós. E o que ele fez ao receber tamanha graça? Imediatamente “o discípulo a levou para a sua casa”. Todoverdadeiro Cristão deve ter por Mãe Nossa Senhora, que insistentemente só tem um único pedido a nos fazer: “Fazei tudo o que Ele vos disser !” (Jo 2,5)  
O Papa Leão XIII explica com precisão a graça da Maternidade Espiritual de Maria, que nos foi legada por Jesus:
“O mistério do imenso amor de Cristo a nós teve, "entre outras, uma luminosa manifestação quando Ele, perto de morrer, quis confiar ao seu discípulo João aquela mãe, sua própria Mãe, com aquele solene testamento: "Eis aí teu filho!" Ora, na pessoa de João, segundo o pensamento constante da Igreja, Cristo quis indicar o gênero humano, e, particularmente, todos aqueles que a Ele adeririam pela fé. E é justamente neste sentido que S. Anselmo de Cantuária exclama: "O' Virgem, que privilégio pode ser tido em maior consideração do que esse pelo qual és a mãe daqueles para os quais Cristo se digna de ser pai e irmão?" (S. Anselmo de Cantuária., Oratio 47).Por sua parte, Maria generosamente aceitou e tem cumprido essa singular e pesada missão, cujo inícios foram consagrados no Cenáculo. Desde então ela ajudou admiravelmente os primeiros fiéis com a santidade do seu exemplo, com a autoridade dos seus conselhos, com a doçura dos seus incentivos, com a eficácia das Suas orações, tornando-se assim verdadeiramente mãe da Igreja e mestra e rainha dos Apóstolos, aos quais comunicou também aqueles divinos oráculos que ela "conservava ciosamente no seu coração"”. (Papa Leão XIII. Carta Encíclica Adiutricem Populi, nº3, Roma, 25/09/1895).
Também S.Afonso de Ligório, nos traz uma edificante reflexão sobre essa Palavra do Senhor, demonstrando o Amor de Cristo pela humanidade ao dar a Sua Mãe e o Amor da Mãe ao Filho ao suportar com Ele as dores da Paixão.
“Estava, pois, a aflita Mãe junto à cruz, e, assim como o Filho sacrificava a vida, sacrificava ela a sua dor pela salvação dos homens, participando com suma resignação de todas as penas e opróbrios que o Filho sofria ao expirar. Diz um autor que desabonam a constância de Maria os que a representam desfalecida aos pés da cruz: ela foi a mulher forte que não desmaia, não chora, como escreve S. Ambrósio: “Leio que estava em pé e não leio que chorava” (In cap. 23 Lc). A dor, que a Santíssima Virgem suportou na paixão do Filho, superou a todas as dores que pode padecer um coração humano. A dor, porém, de Maria não foi uma dor estéril, como a das outras mães vendo os sofrimentos de seus filhos; foi, pelo contrário, uma dor frutuosa: pelos merecimentos dessa dor e por sua caridade, diz S. Agostinho, assim como é ela mãe natural de nosso chefe Jesus Cristo, tornou-se então mãe espiritual dos fiéis membros de Jesus, cooperando com sua caridade para nosso nascimento e para fazer-nos filhos da Igreja (Lib. de sanc. virgin. c. 6). Escreve S. Bernardo que no monte Calvário estes dois grandes mártires, Jesus e Maria, se calavam: a grande dor que os oprimia tirava-lhes a faculdade de falar. (De Mar.). A Mãe contemplava o Filho agonizante na cruz, e o Filho, a Mãe agonizante ao pé da cruz, toda extenuada pela compaixão que sentir apor suas penas.(LIGÓRIO, Afonso M. de. Op.cit, p.21).
Assim, nessa Palavra de Cristo, somos agraciados com Sua Mãe, que doravante estará a nosso lado a nos conduzir a seu Filho amado.
 “Jesus é o Filho Único de Maria. Mas a maternidade espiritual de Maria estende-se a todos os homens que Ele veio salvar: "Ela gerou seu Filho, do qual Deus fez “o primogênito entre uma multidão de irmãos” (Rm 8,29), isto é, entre os fiéis, em cujo nascimento e educação Ela coopera com amor materno”. (Catecismo da Igreja Católica § 501).
4ª Palavra: “Elói, Elói, lammá sabactáni?, que quer dizer: Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?” (Mc 15,34-35)
Nesta quarta Palavra de Cristo na Cruz, ele expressa a dor de carregar em seu corpo santo todo o pecado da humanidade, a fim de redimi-la, tal dor é expressa com o brado: Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?
É preciso compreender que Cristo sendo verdadeiro Deus e verdadeiro homem, não se valeu de sua divindade para suportar as dores e sofrimentos da Paixão, mas pelo contrario, os sentiu com maior dor pelo fato de ter um corpo santo (cf. Hb 4,15), sujeito a pagar pelos pecados de todos os homens. São Paulo e S. Afonso de Ligório expressam com clareza o desprendimento de Jesus, ao assumir nossa condição miserável, a fim de redimi-la:
“Sendo ele de condição divina, não se prevaleceu de sua igualdade com Deus, mas aniquilou-se a si mesmo, assumindo a condição de escravo e assemelhando-se aos homens.E, sendo exteriormente reconhecido como homem, humilhou-se ainda mais, tornando-se obediente até a morte, e morte de cruz”. (Fl 2,6-8).
“Cumpre saber que Jesus estava sobrecarregado de todos os pecados do mundo inteiro e por isso, ainda que pessoalmente fosse o mais santo de todos os homens, tendo de satisfazer por todos os pecados deles, era tido pelo pior pecador do mundo e como tal fez-se réu de todos e ofereceu-se para pagar por todos. E porque nós merecíamos ser abandonados eternamente no inferno, no desespero eterno, quis ele ser abandonado ou entregue a uma morte privada de todo o alívio, para assim livrar-nos da morte eterna”. (LIGÓRIO, Afonso M. de. Op.cit, p.23).
Este sentimento de abandono, sentido por Cristo padecente na Cruz, nos mostra a dor do abandono que sente o pecador que se afasta de Deus. E todo esse sofrimento foi assumido pelo Cristo em nosso lugar:
“Ele não cometeu pecado, nem se achou falsidade em sua boca (Is 53,9). Ele, ultrajado, não retribuía com idêntico ultraje; ele, maltratado, não proferia ameaças, mas entregava-se àquele que julga com justiça. Carregou os nossos pecados em seu corpo sobre o madeiro para que, mortos aos nossos pecados, vivamos para a justiça. Por fim, por suas chagas fomos curados (Is 53,5). (I Pd 2,22-24)
S. Afonso de Ligório citando S. Leão Magno nos traz importantes reflexões acerca dessa Palavra de Jesus, vejamos:
“Escreve S. Leão que esse brado de Jesus não foi queixa, mas ensino (Serm. 17 de pas. c. 13). Ensino, porque com aquele brado queria dar-nos a entender quão grande é a malícia do pecado, que quase obrigava Deus a abandonar às penas, sem alívio, seu dileto Filho, somente por ter ele tomado sobre si a obrigação de satisfazer por nossos delitos. Jesus não foi então abandonado pela divindade, nem privado da glória que fora comunicada à sua bendita alma desde o primeiro instante de sua criação; foi, porém, privado de todo consolo sensível, com o qual costuma Deus confortar seus fiéis servos nos seus padecimentos e foi deixado em trevas, temores e amarguras, penas essas por nós merecidas. Esse abandono da presença sensível de Deus experimentou Jesus também no horto de Getsêmani: mas o que sofreu pregado na cruz foi maior e mais amargo”. (LIGÓRIO, Afonso M. de. Op.cit, p.23).
O protestante Calvino, no seu comentário sobre o Evangelho de São João, profere uma blasfêmia ao afirmar que Cristo sofrera o pecado do desespero ao proferir essa Palavra. Explica S. Afonso de Ligório apoiado nos Santos Padres, que tal expressão de Nosso Senhor, expressa exatamente a dor dos sofrimentos provenientes da Paixão e jamais o desespero, que só acomete àqueles que voluntariamente pelo pecado se privam da amizade de Deus:
“Calvino, no seu comentário sobre S. João, disse uma blasfêmia (...) Como poderia satisfazer pelos nossos pecados com um pecado ainda maior, qual o do desespero? E como conciliar-se esse desespero de que sonha Calvino, com estas palavras que Jesus pronunciou depois: “Pai, em vossas mãos entrego o meu espírito”?(Lc 23,46). A verdade é, segundo a explicação de S. Jerônimo e S. Crisóstomo e outros, que nossos Salvador lança essa exclamação de dor para nos patentear, não o seu desespero, mas o tormento que sofria tendo uma morte privada de todo o alívio.” (LIGÓRIO, Afonso M. de. Op.cit, p.23).
Em fim, esta Palavra nos mostra a dor que nossos pecados acarretam para o Salvador, entretanto, demonstram mais uma vez a grandiosidade do amor e da misericórdia de Deus para com os homens, se fazendo verdadeiro homem para padecer em nosso lugar: “Com efeito, de tal modo Deus amou o mundo, que lhe deu seu Filho único, para que todo o que nele crer não pereça, mas tenha a vida eterna”. (Jo 3,16)
“Ao abraçar em seu coração humano o amor do Pai pelos homens, Jesus "amou-os até o fim" (Jo 13,11), "pois ninguém tem maior amor do que aquele que dá a vida por seus amigos” (Jo 15,13). Assim, no sofrimento e na morte, sua humanidade se tornou o instrumento livre e perfeito de seu amor divino, que quer a salvação dos homens.” (Catecismo da Igreja Católica § 609).
5ª Palavra: “Tenho sede” (Jo 19,28).
Na quinta Palavra de Cristo na Cruz, Ele expressa a debilidade de seu corpo em meio aos tormentos suportados até aquele instante, e exaurido pela perda de sangue e água durante todo esse martírio, diz: “Tenho sede”.
“Em seguida, sabendo Jesus que tudo estava consumado, para se cumprir plenamente a Escritura, disse: Tenho sede”. (Jo 19,28)
A “Escritura” aludida pelo evangelista S. João, que deveria ser cumprida, é a que se encontra no Salmo de Davi:
“Puseram fel no meu alimento, na minha sede deram-me vinagre para beber”. (Sl 68,22).
Comentando sobre o cumprimento dessa Escritura, diz São Tomás de Aquino:
“Jesus não diz que tem sede para que seja consumada a profecia do Antigo Testamento; pelo contrário: a profecia é que foi escrita porque devia, um dia, ser vivida pelo Cristo” (S. Tomás de Aquino. Comentários de S. João, 19,28 in: AQUINO, Felipe. As Sete Palavras de Cristo na Cruz. Lorena-SP: Cléofas, 2005, p.60).
Essa “sede” de Jesus, não era um fator simplesmente biológico, decorrente das circunstâncias da Paixão. Essa “sede” de Jesus era algo mais profundo. É a sede de almas, a sede de levar a salvação a cada ser humano da face da terra. Essa Palavra de Jesus na Cruz nos remete ao momento em que Ele pede de beber à samaritana (cf. Jo 4,1-15) no poço de Jacó, como se pedisse a cada um de nós, a nossa vida, a nossa alma para lhe saciar a sede. Ele afirma para a samaritana que Ele é a água viva (cf. Jr 2,13), quem Dele beber não terá sede:
“Respondeu-lhe Jesus: Se conhecesses o dom de Deus, e quem é que te diz: Dá-me de beber, certamente lhe pedirias tu mesma e ele te daria uma água viva. (...) o que beber da água que eu lhe der jamais terá sede. Mas a água que eu lhe der virá a ser nele fonte de água, que jorrará até a vida eterna”. (Jo 4, 10.14).
Santo Agostinho comenta essa passagem dizendo:
“Desejaria Ele beber, realmente, quando dizia à samaritana: Dai-me de beber? E quando diz sobre a Cruz: Tenho sede? Do que teria sede senão de nossas boas obras?” (S. Agostinho. Salmos 36, sermão 2,21.4 in: AQUINO, Felipe. Op.cit, p.62).   
Também S. Afonso de Ligório ressalta essa sede de salvar toda a humanidade, sentida por Jesus pendente na Cruz:
“Grande foi a sede corporal que Jesus sofreu na cruz, já pelo sangue derramado no horto, já no pretório pela flagelação e coroação de espinhos, e mais ainda na mesma cruz onde de suas mãos e pés cravados escorriam rios de sangue como quatro fontes naturais. Sua sede espiritual foi, porém, muito maior, isto é, o desejo ardente que tinha de salvar todos os homens e de sofrer ainda mais por nós, como diz Blósio, em prova de seu amor (Mar. sp. p. 3 c. 18). S. Lourenço Justianiano escreve: “Esta sede nasce da fonte do amor” (De agon.c. 19)”. (LIGÓRIO, Afonso M. de. Op.cit, p.24).
São Tomás de Aquino comentando essa Palavra de Jesus expressa a veracidade do sofrimento e essa sede de salvar o mundo que o Cristo sentiu na Paixão:
“Se Jesus diz: tenho sede! é, antes de tudo, porque morre de morte verdadeira, não da morte de um fantasma. Ainda aqui aparece o seu desejo ardente da salvação do gênero humano, conforme diz São Paulo: Deus, nosso Salvador, quer que todos se salvem e cheguem ao conhecimento da verdade (1 Tm 2,3-4). Jesus mesmo dissera: “o Filho do homem veio procurar e salvar o que estava perdido” (Lc 19,10). Ora a veemência do desejo exprime-se, muitas vezes, pela sede, como diz o salmista: “Minha alma tem sede do Deus vivo” (S. Tomás de Aquino. Comentários de S. João, 19,28 in: AQUINO, Felipe. Op.cit, p.62).
Com essa Palavra Cristo, continua a mostrar seu incomensurável Amor pela humanidade, chegando a sentir sede física e espiritual, pela salvação das almas. Santa Catarina de Sena ilustra perfeitamente esse fato, ao dizer:
“É a fome e a sede do ansioso desejo que Jesus tinha de nossa salvação, que o faziam exclamar sobre o madeiro da cruz: Tenho sede! Como se dissesse: Tenho sede e desejo de vossa salvação, mais do que vos pode demonstrar o suplício corporal da sede. Sim, por que a sede do corpo é limitada, mas a sede do santo desejo não tem limites” (S. Catarina de Sena, Cartas, 8 in: AQUINO,Felipe. Op.cit, p.62).
6ª Palavra: “Está consumado”.
“Havendo Jesus tomado do vinagre, disse: Tudo está consumado” (J0 19,30)
Essa penúltima Palavra de Cristo na Cruz vem selar todas as profecias a seu respeito. Nestes momentos finais Cristo nos diz com essa Palavra que toda a vontade do Pai para nos salvar foi cumprida Nele e por Ele.
“Nesse momento, Jesus, antes de expirar, pôs diante dos olhos todos os sacrifícios da antiga lei (todos eles figuras do sacrifício da cruz), todas as súplicas dos antigos padres, todas as profecias realizadas na sua vida e na sua morte, todos os opróbrios e ludíbrios preditos que ele devia suportar, e vendo que tudo se havia realizado, disse: “Tudo está consumado””. (LIGÓRIO, Afonso M. de. Op.cit, p.24).
Com essa Palavra Jesus nos ensina a perseverar em nossa fé até o fim. Confiando Nele (cf. Fl 4,13) não devemos jamais olhar para trás (cf. Gen 19,26; Lc 9,62), mas, seguir sempre em direção ao alvo (cf. Fl 3,14), à nossa meta: a salvação que nos é ofertada gratuitamente por Deus.
S. Afonso de Ligório citando Santo Agostinho explica com maestria este sentido profundo dessa Palavra de Jesus ao afirmar que:
“S. Agostinho escreve: “O que te ensinou pendente da cruz, não querendo dela descer, senão que fosses forte em teu Deus?” (In ps. 70). Jesus quis consumar o seu sacrifício com a morte, para nos persuadir de que Deus não recompensa com a glória senão aqueles que perseveram no bem até ao fim, como o faz sentir por S. Mateus: “Quem perseverar até ao fim será salvo” (Mt 10,22). Quando, pois, ou seja por motivo de nossas paixões ou das tentações do demônio ou das perseguições dos homens nos sentirmos molestados e levados a perder a paciência e a ofender a Deus, olhemos para Jesus crucificado que derrama todo o seu sangue por nossa salvação e pensemos que nós ainda não derramamos uma só gota por seu amor. É o que diz S. Paulo: “Pois ainda não tendes resistido até ao sangue combatendo contra o pecado” (Hb 12,4)”. (LIGÓRIO, Afonso M. de. Op.cit, p.24).
O saudoso Santo Padre João Paulo II, em uma Carta escrita aos Sacerdotes por ocasião da Quinta – Feira Santa no ano de 1998, nos traz uma reflexão muito significativa acerca da consumação do sacrifício salvífico de Nosso Senhor Jesus Cristo, ele escreveu:
“O Evangelho de S. João, com palavras cheias de carinho e de mistério, refere a narração daquela primeira Quinta-Feira Santa, quando tomou lugar à mesa com os discípulos, no Cenáculo, o Senhor — « ...Ele que amara os Seus que estavam no mundo, levou até ao extremo o Seu amor por eles » (13,1). Até ao extremo: até à instituição da Eucaristia, antecipação de Sexta-Feira Santa, do sacrifício da cruz e do mistério pascal. Durante a Última Ceia, Cristo toma o pão nas mãos e pronuncia as primeiras palavras da consagração: « Isto é o meu Corpo que será entregue por vós ». Logo a seguir, proclama sobre o cálice com vinho as sucessivas palavras da consagração: « Este é o cálice do meu Sangue, o Sangue da nova e eterna aliança, que será derramado por vós e por todos para remissão dos pecados », e acrescenta: « Fazei isto em memória de Mim ». Cumpre-se assim, no Cenáculo, de modo incruento o Sacrifício da Nova Aliança, que será realizado com o derramamento de sangue no dia seguinte, quando Cristo disser sobre a cruz: « Consummatum est », « Tudo está consumado! » (Jo 19,30). Oferecido uma vez por todas sobre o Calvário, este Sacrifício é confiado aos Apóstolos, graças ao Espírito Santo, como o Santíssimo Sacramento da Igreja”. (Papa João Paulo II. Carta aos Sacerdotes por ocasião da Quinta Feira Santa de 1998, Vaticano, 25/03/1998).
Assim, temos nessa Palavra de Jesus o cumprimento das Escrituras, e o ensino salvífico de perseverar até o fim, confiados sempre no Senhor.
“Como pela desobediência de um só homem todos se tornaram pecadores, assim, pela obediência de um só, todos se tornarão justos" (Rm 5,19). Por sua obediência até a morte, Jesus realizou a substituição do Servo Sofredor que "oferece sua vida em sacrifício expiatório", "quando carregava o pecado das multidões", "que ele justifica levando sobre si o pecado de muitos". Jesus prestou reparação por nossas faltas e satisfez o Pai por nossos pecados”.(Catecismo da Igreja Católica § 615)
7ª Palavra: “Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito” (Lc 23,46).
Consumada as Escrituras, Nosso Senhor Jesus Cristo livremente entrega o espírito ao Pai, realizando a redenção definitiva da humanidade. É a realização do sacrifício da Nova e Eterna Aliança.
“A morte de Cristo é ao mesmo tempo o sacrifício pascal, que realiza a redenção definitiva dos homens pelo "cordeiro que tira o pecado do mundo", e o sacrifício da Nova Aliança, que reconduz o homem à comunhão com Deus, reconciliando-o com ele pelo "sangue derramado por muitos para remissão dos pecados". (Catecismo da Igreja Católica § 613)
São Lucas escreve:
“Era quase à hora sexta e em toda a terra houve trevas até a hora nona. Escureceu-se o sol e o véu do templo rasgou-se pelo meio. Jesus deu então um grande brado e disse: Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito. E, dizendo isso, expirou. Vendo o centurião o que acontecia, deu glória a Deus e disse: Na verdade, este homem era um justo”. (Lc 23,44-47)
Este do véu do Templo de Jerusalém que se rasga vem simbolizar justamente o advento da Nova e Eterna Aliança: “Não julgueis que vim abolir a lei ou os profetas. Não vim para os abolir, mas sim para levá-los à perfeição”. (Mt 5,17)
“O cumprimento perfeito da Lei só podia ser obra do Legislador divino nascido sujeito à Lei na pessoa do Filho. Em Jesus, a Lei não aparece mais gravada nas tábuas de pedra, mas "no fundo do coração" (Jr 31,33) do Servo, o qual, pelo fato de "trazer fielmente o direito" (Is 42,3), se tornou "a Aliança do povo" (Is 42,6). Jesus cumpriu a Lei até o ponto de tomar sobre si "a maldição da Lei” in quod illi incurrerant "qui non permanent in omnibus, quae scripta sunt, ut faciant ea", na qual incorrerreram aqueles que "não praticam todos os preceitos da mesma, pois “a morte de Cristo aconteceu para resgatar as transgressões cometidas no Regime da Primeira Aliança" (Hb 9, 15)”. (Catecismo da Igreja Católica § 580).
Outro fato singular dessa Palavra de Jesus foi a imediata conversão do centurião romano que acompanhava ao pé da Cruz (cf. Jo 3,14-15) a morte do Redentor: “Vendo o centurião o que acontecia, deu glória a Deus e disse: Na verdade, este homem era um justo” (Lc 23,47).
Com essa Palavra Jesus nos ensina a entregar-nos sempre, livre e totalmente ao Pai, que está sempre de braços abertos a nos esperar (cf. Lc 15,20). S. Afonso de Ligório apoiado nos Santos Padres ensina sobre essa Palavra:
“Escreve Eutíquio que Jesus proferiu estas palavras com grande voz, para dar a entender que ele era verdadeiramente o Filho de Deus, chamando a Deus seu Pai. S. Jerônimo escreve que ele deu este grande brado para demonstrar que não morria por necessidade, mas por própria vontade, emitindo um brado tão forte no momento mesmo em que estava para expirar. Isso combina com o que disse Jesus em vida, que ele de livre vontade sacrificava sua vida por nós,suas ovelhas, e não pela vontade ou malícia de seus inimigos. “Eu ponho minha alma por minhas ovelhas... ninguém ma pode tirar, eu mesmo a entrego de livre querer” (Jo 10,15). S. Atanásio ajunta que Jesus, recomendando-se ao Pai, recomendou-lhe justamente todos os fiéis que por seu intermédio deveriam receber a salvação, já que a cabeça com seus membros constituem um só corpo. E o santo conclui que Jesus então tinha em mente repetir o pedido feito antes: “Pai santo, conserva-os em teu nome, para que sejam um como nós” (Jo 17,11), e termina: “Pai, os que me destes quero que onde eu estiver estejam comigo” (LIGÓRIO, Afonso M. de. Op.cit, p.25).
Neste momento em que Cristo consuma o Santo Sacrifício para a redenção da humanidade, sua Cruz torna-se venerável para nós cristãos! Ela que fora objeto de maldição será doravante símbolo da salvação como nos ensina São Paulo:
“A linguagem da cruz é loucura para os que se perdem, mas, para os que foram salvos, para nós, é uma força divina”. (I Cor 1,18); “Quanto a mim, não pretendo, jamais, gloriar-me, a não ser na cruz de nosso Senhor Jesus Cristo, pela qual o mundo está crucificado para mim e eu para o mundo”. (Gal 6,14); “Espoliou os principados e potestades, e os expôs ao ridículo, triunfando deles pela cruz”. (Col 2,15).
O Sagrado Magistério da Igreja nos ensina que:
"Sua sanctissima passione in ligno crucis nobis iustificationem meruit - Por sua santíssima Paixão no madeiro da cruz mereceu-nos a justificação", ensina o Concílio de Trento, sublinhando o caráter único do sacrifício de Cristo como "princípio de salvação eterna". E a Igreja venera a Cruz, cantando: crux, ave, spes unica - Salve, ó Cruz, única esperança". (Catecismo da Igreja Católica § 617)
Iluminados por essa Santa Palavra do Senhor possamos confiar-nos sempre a Ele, fazendo assim como o Cristo, a vontade do Pai: “Davi punha toda a sua esperança no futuro Redentor, dizendo: “Em vossas mãos, Senhor, entrego o meu espírito; pois vós me remistes, Senhor Deus da verdade” (Sl 39,6). Quanto mais nós devemos confiar em Jesus Cristo, que já realizou a nossa redenção? Digamos-lhe, pois, com grande confiança: “Vós me remistes, Senhor, por isso em vossas mãos encomendo o meu espírito.” (LIGÓRIO, Afonso M. de. Op.cit, p.25).
Salve, ó Cruz, única esperança!
Crux, Ave, Spes Única
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Referências Bibliográficas
AQUINO, Felipe. As Sete Palavras de Cristo na Cruz. Lorena-SP: Cléofas, 2005.
Bíblia Sagrada. 14º Ed. São Paulo: Ave Maria, 1998.
Catecismo da Igreja Católica – Edição típica Vaticana. São Paulo: Loyola, 2000.
LIGÓRIO, Afonso M. de. A Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo. Vol. II, Ed.PDF, Fl. Castro, abril 2002.
Papa João Paulo II. Carta aos Sacerdotes por ocasião da Quinta Feira Santa de 1998, Vaticano, 25/03/1998.
Papa Leão XIII. Carta Encíclica Adiutricem Populi, Roma, 25/09/1895.

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Observação: Todos os grifos do artigo são do autor.

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