quinta-feira, 31 de março de 2011

A experiência com o Deus vivo

Meus ouvidos tinham escutado falar de ti, mas agora meus olhos te viram” (Jó 42,5).
Essa foi a resposta de Jó a Deus após sua experiência com a presença divina. Jó havia sido provado duramente por Deus. Em um só dia, viu seus filhos e escravos mortos, perdeu todos os seus rebanhos pela ação de salteadores, assassinos, furacões, relâmpagos... Perdeu até mesmo a saúde...
Diz a Bíblia que durante todo o seu sofrimento Jó permaneceu fiel, não cometeu pecado algum nem proferiu contra Deus qualquer blasfêmia. No capítulo 38 do livro de Jó lemos que do seio da tempestade Deus falou a Jó e, à medida que Deus fala, o sol vai clareando as suas trevas. Deus fala no íntimo de Jó e a experiência da sua presença santa o faz exclamar: “Meus ouvidos tinham escutado falar de ti, mas agora meus olhos te viram”.
A experiência da presença é tão forte que ele diz: “meus olhos te viram”. E, diante da santidade de Deus, reconhece o pecado e se retrata – não por ter cometido crimes, mas porque diante da santidade de Deus, todos somos injustos e pecadores – e penitencia-se no pó e na cinza. Um novo tipo de arrependimento, experimenta o coração de Jó movido por íntima e profunda compulsão interior de considerar os seus atos diante da grandeza e da majestade divina. Jó silencia. É Deus quem vai justificá-lo. O Senhor repreende os amigos e pede que Jó interceda por aqueles que tornaram sua provação mais espinhosa. Jó, o pobre de Javé, o mais necessitado de intercessão, aprende a interceder na sua pobreza e, diz a Bíblia, é justamente enquanto ele intercede por seus amigos que o Senhor lhe restitui tudo o que ele havia perdido, restituindo-lhe em dobro. Sim, verdadeiramente a cura vem pela nossa disposição em entrar em unidade com todos; essa é a obra do Espírito Santo na vida de Jó e na nossa. Jó nos ensina que a experiência pessoal supera qualquer conhecimento intelectual.
Outra grande figura do Antigo Testamento, o rei Davi, tem algo a nos ensinar sobre isso. O maior desejo de Davi era ver Deus em toda a sua glória, por isso queria construir-lhe um templo, mas a glória divina foi-lhe manifestada diante da visita da misericórdia, quando matara Urias para ficar com Betsabé (cf. Sl 50).
Essa contemplação foi esperada também pelo profeta Simeão, no Templo. Ao receber Jesus no colo, exclama com toda a alma: “Deixai agora vosso servo ir em paz, conforme prometestes, ó Senhor. Pois meus olhos viram vossa salvação, que preparastes ante a face das nações!” (Lc 2,29-30). Diante de Jesus menino, o velho Simeão se dá conta de que vivera para aquele momento e, portanto, sua vida estava completa. Nada mais lhe faltava.
Como o olhar de Deus cruzou com o de Jó e o seu ser iluminou-se, assim foi com Maria Madalena, quando sentiu-se pela primeira vez olhada como pessoa e não como prostituta; o olhar de Jesus era cheio de misericórdia, como o foi para Pedro na hora da negação, e o foi para a mulher adúltera: “Nem eu te condeno, vai e não tornes a pecar”. É o único olhar que verdadeiramente transforma uma vida.
Esse amor espera ser descoberto por nossos olhos em qualquer situação. Seja qual for o momento que atravessamos, se nos restam ainda anos, meses, dias ou apenas horas de vida. Um dos ladrões na cruz – depois disso chamado de “Bom ladrão” –, ao contemplar o Cristo chagado, servo sofredor, “roubou o céu de Jesus” por seu olhar de fé, reconhecendo naquele “Homem das dores” o Rei de Israel, cujo Reino não é deste mundo, pois os dois estavam prestes a morrer.
Tomé viu as chagas gloriosas do Ressuscitado que passou pela Cruz e tornou-se o apóstolo das Índias.
Foi olhando a glória de Deus no céu que Estêvão pôde ser fiel no martírio. Foi pelo estrondoso olhar de misericórdia sobre Saulo, quando ia prender os cristãos em Damasco, que ele ficou realmente cego e, após ser iluminado por essa nova luz, tornou-se o “apóstolo dos gentios.”
A Santa Teresa de Ávila foi dada a graça de olhar para o lugar que o demônio lhe havia preparado no inferno e o que lhe era reservado no céu, por Deus. Com essa visão, escolheu, é claro, o lugar celeste e empenhou-se para “conquistá-lo” para si e para a humanidade.
Nesta sociedade incrédula, consumista, materialista, secularizada, que perdeu o sentido do sagrado, somente a experiência do olhar misericordioso de Jesus atingindo o olhar pobre e sedento de cada homem pode mudar o mundo.
O mundo que erra muito acerca do conhecimento de Deus, que tem seu olhar voltado para a grandeza e a beleza da criação – em lugar da grandeza e beleza do Criador – só poderá redirecionar seu olhar através do profundo poder transformador da misericórdia. A recente canonização de Irmã Faustina, apóstola da misericórdia neste nosso século, é uma indicação segura de que a Igreja entra num novo kairós em que o novo pentecostes nos leva ao coração misericordioso de Jesus e à adoração. É um tempo de graça em que se proclama Teresinha de Jesus Doutora da Igreja e, trilhando sua pequena via de abandono, conheceremos mais rapidamente a misericórdia e depressa aprenderemos a adorar.
É importante nos alegrar pelas sementes que morreram e já começam a florescer nesta nova primavera da Igreja, e mais ainda pelo que virá... Pois quanto mais maldade, injustiça e dureza de coração se vê, maiores provisões de graça e misericórdia caem do coração de Cristo para renovar a humanidade. Assim, rezamos para que não tarde o dia em que todos proclamaremos, em uníssono: “Agora, viram-te meus olhos”!


Cassiano Rocha Azevedo
Missionário da Comunidade Católica Shalom

Revista Shalom Maná - Ed. Shalom
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quarta-feira, 30 de março de 2011

A importância do deserto

“Jesus foi conduzido pelo Espírito ao deserto” (Mt 4,1).

Na completa desolação do deserto físico é possível:
  • Ver as coisas claramente, sem as distrações do mundo;
  • Viver na simplicidade, valorizando apenas as necessidades básicas para sobrevivência;
  • Discernir o que realmente importa para a vida (1Jo 2,16), como, por exemplo, que um copo de água é mais importante que um diamante.
Entretanto, como não moramos no deserto, nós precisamos chegar às mesmas conclusões citadas acima, mesmo vivendo em meio às distrações do mundo. E a Quaresma é o tempo ideal para deixarmos o Espírito Santo nos conduzir ao nosso deserto espiritual e nos falar ao coração9 (Os 2,16). Alguns, talvez, tenham dificuldade para ver a semelhança entre o deserto espiritual e o deserto físico, mas ela existe, de fato, pois tanto em um como em outro:
  • As tentações estão presentes, e podemos reconhecê-las claramente;
  • A tudo o que parece ser importante para o mundo, como bens matérias e prestígios, nada valem;
  • Tudo o que é desvalorizado pela sociedade secular, como, por exemplo, a Palavra de Deus, a oração, o jejum e o silêncio possuem um imenso valor espiritual;
  • Somente a proteção de Deus e o que Ele nos provê são importantes; e as conseqüências de nossa desobediência a Suas orientações nos serão fatais.
Na Sagrada Escritura, o deserto tem grande significado, pois ele é tido como um lugar de amor (Jr 2,2), para onde o Senhor nos atrai (Os 2,16) e derrama sobre nossos corações, através do Espírito Santo, todo Seu amor (Rm 5,5). É no deserto que nós, como os israelitas, somos alimentados apenas pelo maná do Senhor (Ex 16,35) e nos regozijamos plenamente (Is 35,1). Por isso, é importante refletirmos sobre o deserto; em especial sobre o nosso deserto espiritual, pois é nele que preparamos “um caminho para o Senhor” (Is 40,3).

Pe. Inácio José do Vale
Professor de História da Igreja 
Faculdade de Teologia de Volta Redonda 
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Os aspectos do Sacramento da Reconciliação

A riqueza da Exortação Apostólica “A Reconciliação e a Penitência” pede um retorno ao tema, com o enfoque de alguns aspectos específicos.

Na renovação conciliar, ao lado de extraordinário progresso espiritual, introduziram-se na Igreja certas falhas que afetaram a tranquilidade de consciências e causaram graves prejuízos. Desde o Papa Paulo VI, vêm os Sucessores de Pedro, no cumprimento de sua missão, alertando para o fato e corrigindo os desvios. Lembro, por exemplo, as palavras do Santo Padre João Paulo I, “o retorno à grande disciplina”.

A Exortação Apostólica “A Reconciliação e a Penitência na missão da Igreja hoje” aborda diversos assuntos de real importância na preservação da Doutrina e Disciplina eclesiásticas.

O pecado social. Ouve-se falar muito em “situações de pecado ou denúncia como pecados sociais certas situações ou certos comportamentos coletivos de grupos sociais mais ou menos vastos” (nº 16). Uma situação não é, de “per si”, sujeito de atos morais. Toda falta é pessoal. Pode agredir o próximo ou uma comunidade: “No fundo de cada situação de pecado, porém, encontram-se sempre pessoas pecadoras” (ibidem). O contrário “leva a diluir e quase a eliminar o pessoal, para admitir somente culpas e responsabilidades sociais” (ibidem). Essa conclusão é fruto de ideologias em voga que dão prioridade às denúncias de situações, sistemas, estruturas, sobre o esforço em prol da conversão dos indivíduos que assim transformarão a coletividade.

Pecado mortal e pecado venial. O Santo Padre reafirma “o núcleo do ensino tradicional da Igreja” (nº 17): “há faltas que são intrinsecamente graves e outras que não matam a vida sobrenatural”. Corrige correntes: “Há de evitar-se reduzir o pecado mortal a um ato de ‘opção fundamental’ – como hoje em dia se costuma dizer – entendendo, com isso, um desprezo explícito e formal de Deus e do próximo”; evitar “contribuir para atenuar ainda mais, no mundo contemporâneo, o sentido do pecado” (idem).

João Paulo II põe o dedo na chaga quando se refere a dois problemas muito atuais: o pretenso respeito pela consciência, que leva a suprimir o dever de dizer a verdade; a “confusão criada na consciência de muitos fiéis, pela divergência de opiniões e de ensinamentos na teologia, na pregação, na catequese e na direção espiritual acerca de questões graves e delicadas da moral cristã” (nº 18).

A busca de reconciliação. Esta é condicionada pela unidade existente dentro da própria Igreja. Ela dará eficácia ao ecumenismo e à missão de paz entre os povos. Para alcançar esse objetivo, a Fé que une pode estar subordinada “às opiniões, às modas e às opções ideológicas que dividem” (nº 24).

O sacramento da confissão. Aqui o documento atinge um campo de grande importância prática para a vida eclesial de hoje. Durante a VI Assembléia Geral do Sínodo dos Bispos em 1984, da qual a Exortação Apostólica é fruto, foi repetidamente, ouvida a afirmativa: o sacramento da Penitência está em crise. Os Padres Sinodais procuram esclarecer os motivos e indicar remédios. As razões das dificuldades por que passa a confissão são o obscurecimento dos valores morais e religiosos, a perda do sentido de pecado, da debilitação da vida cristã. E ainda, a difusão da prática de procurar o perdão diretamente de Deus e o entibiamento na frequência ao meio instituído pelo Senhor.

Lembra o Santo Padre que, “para o cristão, o sacramento da penitência é a forma ordinária para obter o perdão e a remissão dos pecados graves cometidos após o batismo” (nº 91). Enumera os atos do penitente: exame de consciência, contrição, acusação dos pecados – ordinariamente individual e não coletiva; isto antes da absolvição e satisfação devidas aos delitos cometidos.

Sobre os três ritos de administrar a confissão, ficou estabelecido que “a primeira forma – reconciliação individual dos penitentes – constitui o único modo normal e ordinário da celebração sacramental” (nº 32). A segunda, “reconciliação de vários penitentes, com a confissão e absolvição individual” pode ser equiparada à anterior. Quanto à terceira, “reconciliação de vários penitentes com a confissão e absolvição: é regulada por uma disciplina especial” (ibidem). O bispo, onerada gravemente sua consciência, é “o único a quem compete, no âmbito de sua diocese, ajuizar se existem, em concreto, as condições que a lei canônica estabelece” (nº 33). Os fiéis não poderão recorrer de novo “à absolvição geral, antes de uma confissão regular, integral e individual dos pecados” (ibidem).

Eis algumas das diretrizes contidas na Exortação Apostólica “A Reconciliação e a Penitência”. Provêm do Sumo Pontífice e obrigam os católicos, mesmo à custa de sacrifícios. Estes serão fecundos. Os frutos abundantes alegrarão os filhos de Deus somente quando estes colocarem a fidelidade ao Senhor acima das tendências do momento e conveniências pessoais. Ele é generoso com todos que abraçam seus ensinamentos.


Cardeal Eugênio de Araujo Sales
 www.arquidiocese.org.br
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Por que nós adiamos nossas confissões?

Hoje tem fila para tudo: no banco, para entrar no estádio e na loja cheia de promoções... Só não há fila para a confissão. 

Essas filas desapareceram, também, porque nas igrejas novas sumiram os confessionários e as pessoas não sabem mais onde devem ir para se confessar. Até os padres, para ouvir as confissões, estão ficando raros. Já falamos muito sobre a crise desse sacramento e tentamos experiências novas. Algo de mais comunitário; deu pouco resultado. Tiramos as grades, quase nada. Arrumamos confortáveis salinhas com sofás e ar condicionado. São boas para conversar, mas os clientes da confissão não aumentaram. 

Nem na Quaresma os católicos se lembram do mandamento da Igreja: "Confessar os próprios pecados pelo menos uma vez ao ano". Pedido que, junto com o outro: "Receber o sacramento da Eucaristia pelo menos na Páscoa" (Compêndio do Catecismo da Igreja Católica, pg. 197) formam o famoso "preceito pascal". O movimento está fraco. Outros tempos aqueles das filas na Semana Santa! É a modernidade. 

Evidentemente muitos gostam mais de se confessar com os seus amigos pelo celular. Outros preferem o "bate-papo" da Internet, para contar as "coisas cabeludas" deles e dos colegas também. Fofocas, mentiras e disparates andam soltos. Porém isso não tem nada a ver com a confissão. O arrependimento e o perdão são coisas sérias. Não dá para fazer de conta. Precisa, antes, reconhecer que erramos. Mas para isso precisamos de um ponto de apoio, como na física. Um ponto firme para nos levantar de novo, um ponto seguro para agüentar o peso dos nossos pecados. 

Qual será esse ponto de apoio sobre o qual devemos reconstruir a nossa vida, fazer as pazes com quem ofendemos, pedir desculpa a quem gostaríamos tanto de amar de novo e mais ainda? 
É o Pai da parábola que Jesus contou. Vejam porquê. O filho, sim, aquele que pediu o adiantamento da sua herança, que andou o mundo todo, que ficou doido de prazer, que encheu a cara com tudo o que estava ao alcance do seu dinheiro, não ficou feliz. Nem amou e nem foi amado. Foi tudo um faz-de-conta. Quando a mentira da farra acabou, ficou pobre e faminto. Não somente pobre de dinheiro e faminto de comida, muito pior: ficou sozinho porque o amor comprado, não é amor, é fachada. Não satisfaz. Aí se lembrou daquele que não deixava faltar comida aos seus empregados; daquele que talvez ainda o amasse mais do que o dinheiro que lhe tinha dado e que ele havia jogado fora. Tinha quase certeza de ser acolhido, ao menos, como trabalhador. Como podia esperar ser amado de novo? Sabia não merecer mais tanto amor. Mas o Pai o surpreendeu: foi ao seu encontro, abraçou-o e o beijou. Que se dane o dinheiro; este meu filho estava morto e voltou a viver, estava perdido e foi encontrado, vamos festejar. Que Pai maravilhoso! Bom demais. A festa foi de arromba. Com dança e tudo. Só não queria entrar o outro filho, invejoso e mesquinho. Contudo o grande Pai também foi ao seu encontro suplicando para que ele entrasse. 

Inventamos desculpas para não confessar porque esquecemos o Pai. Nós esquecemos a alegria do perdão, cultivamos rancores, antipatias e mágoas. Mas o grande Pai não. Nós todos valemos muito mais do que tudo aquilo que podemos ter esbanjado ou aprontado longe de casa. Ele não precisa dos nossos bens e nem da nossa ficha limpa, quer o nosso coração. É só voltar para casa, pobres e humildes. Sem orgulho, mas com saudade. O abraço do perdão será inesquecível e a festa também. 

Que tal? Vamos entrar na fila? A Semana Santa vem aí. 

Dom Pedro José Conti, bispo 
Bispo de Macapá (AP) 

Fonte: CNBB
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terça-feira, 29 de março de 2011

O sublime encontro no deserto

“Para alguém poder receber e conservar as inspirações de Deus tem que apreciar a solidão, o sossego, o silêncio interior e exterior, caso contrário, ou não vai recebê-las, ou elas, recebidas, vão se enfraquecer e se dissipar”.
São Gaspar Bertorni
Fundador dos estigmatinos
Em várias tradições religiosas e filosóficas o deserto é o lugar de purificação, decisão, mudanças, abissais meditações e renascimento de uma nova vida.
As condições ambientais de despojamento, próprias do deserto, são favoráveis as profundas reflexões do interior. Assim, a viagem da alma é levada ao imensurável. Esta é a experiência autotranscendental.
A vida dos grandes homens foram impactadas no encontro com Deus no deserto: Moisés (Ex 3,1-6); Davi (1Sm 24,1; Sl 55,7); Elias (1 Rs 19, 8-14); João Batista (Lc 1, 80; 3,2); Paulo (Gl 1, 15-21). O deserto é o lugar sublime do encontro do “eu” frágil, finito e pecador com o Senhor Deus Santo, Eterno e Todo-Poderoso.
Essa é a verdadeira prova que o deserto propício à revelação das nossas incompatibilidades. Todo o nosso ser é descoberto, desnudado e nada pode ser escondido ou negado. “Aqui estão às tentações do deserto: “Eu”, as minhas misérias e os anjos” (Ex 23,20; Dt 8,2.3; Mt 4,11).
A exortação é muito forte no deserto. Somos agraciados com a humilhação, perdão, reconciliação e comunhão com Deus.
O grande místico São João da Cruz dizia: “Que quanto mais perto de Deus chega à alma, tanto mais consciência terá de sua imperfeição”. No deserto só há uma lugar para ficar perto: de Deus.

SOLIDÃO E SILÊNCIO
O mundo não sabe da solidão e do silêncio. O silêncio desconstrói o mito dialogal humano. O ser humano não é apenas extroversão, comunicação e conexão. Ele é também silêncio, incomunicabilidade e mistério.
Silêncio e solidão nada têm a ver com o quadro psicopatológico. Fuga, paliativo, placebo e panacéia estão desconectados com a realidade do nosso silêncio e recolhimento.
Isolamento por desacertos psicológicos não pode ser tomando como caminho espiritual do silêncio sagrado e fecundo, porque o contexto da solidão está bem acompanhada: da consciência do “eu”, dos santos, dos anjos e da Santíssima Trindade. O solitário e o individualista materialista estão sempre sozinhos e infelizes.
O silêncio e a solidão aqui tratados são na dimensão mística – contemplativa. Caminhamos com ascese e a hesychia (palavra grega para a oração do coração, significando quietude e silêncio).
O exercício do bendito silêncio leva o fim do estiolamento da mente e a limpeza da alma tisnada.
A alma deseja profundamente o mistério, o silêncio para ter mais intimidade com Deus. É por demais dialogante o silêncio da alma.
A belíssima e a grande Santa Teresinha do Menino Jesus dizia: “Muitas vezes apenas um silêncio sem palavras expressa a minha oração. Deus a compreende”.

Pe. Inácio José do Vale
Professor de História da Igreja
Faculdade de Teologia de Volta Redonda
Católicos na Rede
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segunda-feira, 28 de março de 2011

O encontro que gera vida.

"Quem bebe desta água vai ter sede de novo. Mas aquele que beber a água que eu vou dar esse nunca mais terá sede. E a água que eu lhe darei, vai se tornar dentro dele uma fonte de água que jorra para a vida eterna." (Jo. 4, 13s)
Precisamos entender o que Deus quer falar com cada um de nós em particular. As nossas leituras, orações e reflexões têm por objetivo nos ajudar a fazer um encontro pessoal com o Senhor da vida. Cada um na especificidade do seu ser pessoal, com as características humanas e inspiradas pelo Espírito. O importante é estarmos abertos a este diálogo que Deus quer fazer conosco através do texto bíblico que vamos meditar. Vamos nos ater à leitura do episódio do encontro entre Jesus e samaritana. Perguntar o que texto diz em toda a sua riqueza teológica nos contextos e situação em que nos encontramos. Por isso, por partes vamos entrar o mundo literário do texto e buscar as belezas da mensagem evangélica.
O tema da reflexão que nos propusemos a fazer é: “Quem beber desta água nunca mais terá sede”. Este trecho bíblico é retirado do Evangelho de João, ele faz parte do primeiro “bloco” de capítulos que chamados de “Primeiro sinal”, ou seja, o Evangelho de João é conhecido como “livro dos sinais”. João escreveu seu evangelho para a comunidade dos seguidores de Jesus Cristo de origem grega, mas especificamente pode-se dizer que foi para a comunidade dos cristãos de Éfeso, no final do século primeiro da era cristã. Essas informações são importantes, pois vamos entendendo o porquê de algumas imagens e informações que encontramos no evangelho atribuído a São João.
 O texto do encontro entre Jesus e a samaritana está entre os quatro primeiros capítulos do evangelho de João. O tempo dos sinais começa com o testemunho de João Batista: sobre quem era o Cristo, o “batismo na água” e o “batismo do espírito”, que ele pregava como caminho de salvação e de renovação no reino que chegava. João mesmo dá testemunho de que Jesus era o ungido, o Cristo. Depois o evangelho continua relatando o chamado dos primeiros discípulos, ou seja, as testemunhas que o acompanhariam no ministério de proclamação da salvação e da libertação do povo oprimido pelas ideologias e pela pressão das autoridades que dominavam em última instância a própria consciência das pessoas.
O “primeiro sinal” é relatado no capítulo dois do evangelho e narra o episódio das bodas de Caná na Galiléia, ao norte da terra santa. Lá ele realiza a grande proeza da mudança da água em vinho e, retorna para Cafarnaum, às margens do lago de Genesaré, cidade onde segundo a tradição ele morava. O evangelho diz que Ele e os discípulos retornaram a Jerusalém, pois estava se aproximando a festa da páscoa, e todo judeu piedoso e fiel às tradições do seu povo ia a Jerusalém apresentar o seu sacrifício em agradecimento a Deus pela libertação, realizada no êxodo. Por ocasião de sua ida para a festa da páscoa o evangelista deixa claro de que muitos ouviam o que Jesus dizia e acreditavam nos seus sinais.

 Vida nova no seguimento de Cristo.
No início do terceiro capítulo, o evangelista relata o encontro secreto de Jesus e Nicodemos, grande homem, chefe dos doutores da Lei, autoridade entre os judeus. Certamente ele tinha observado que as atitudes de Jesus eram diferentes e cheias de autoridade pelo testemunho que ele dava. Muita gente aderia à proposta do Mestre, então isso deve ter sido causa do questionamento de Nicodemos sobre a conversão e a mudança radical de vida das pessoas que escutavam e se encontravam com Jesus.
A mudança de vida é um novo nascimento. Era isso que acontecia quando João Batista pregava e testemunhava a chegada do enviado de Deus. Ele pregava, segundo os evangelistas, um batismo de conversão. Converter-se é mudar a direção. Mudar de vida. Nascer de novo: ser uma criatura nova, como vai nos dizer São Paulo sobre o cristão que acolhe a mensagem de Jesus. Para que o sinal da mudança de vida fosse verídico, segundo o diálogo de Nicodemos e Jesus, era preciso “nascer da água e do Espírito” (Jo 3,5), pois a garantia era a participação na vida de Deus, o reino pregado pelo messias.
Já quase no final do capítulo terceiro o autor do evangelho retorna mais uma vez a apresentar o testemunho de João Batista, que dessa vez é mais radical: a prisão e por fim, o martírio. João aponta o Cristo. Assim João Batista realiza a sua missão: “Preparai o caminho do Senhor!” Os discípulos e Jesus também batizavam na margem do rio Jordão. Isso vai ser causa de grandes comentários entre as autoridades dos judeus, pois as pessoas que procuravam João Batista iam ao encontro de Cristo e o grupo dos que aceitavam sua mensagem e testemunho aumentava rápida e significativamente. Desse episódio pra frente do texto inicia o capítulo quarto que vamos meditá-lo com mais atenção.
Até aqui podemos fazer algumas observações sobre os quatro primeiros capítulos do evangelho de João: O Evangelho começa falando sobre a pessoa de João Batista, sua missão e sua atividade de anúncio e o batismo de conversão. Duas idéias são fundamentais e evidentes ao longo destes textos: A presença e ação de Deus na vida do ser humano acontecem no mais profundo do seu ser, ou seja, no coração, isso se a pessoa aceita “nascer de novo”, na água e no espírito, que é uma mudança radical de vida; O testemunho é a acolhida alegre da mensagem que se transforma em vida, ou seja, ação capaz de produzir a salvação e a libertação da pessoa.
Ao longo da nossa reflexão bíblica vamos procurar explicitar alguns conceitos e elementos importantes que nos tornem capazes de compreender a beleza e riqueza deste texto. É evidente que a ação de Jesus repercutiria muito entre as autoridades, pois o grupo dos seguidores e ouvintes de Jesus aumentava muito, gradativamente. O número dos discípulos dele era até maior que os de João Batista. Segundo os outros evangelistas a quantidade de pessoas que procuravam o batismo de João era muito grande. Imaginemos o número das pessoas que procuravam Jesus! O evangelho diz que as pessoas iam ao encontro de Jesus por causa do testemunho de João Batista, depois de o ouvirem se tornavam seus seguidores. O testemunho agora já não era outro que falava dele, mas, as suas próprias ações diziam por si mesmas.

Delmiro Vieira do Nascimento Júnior, SDB
www.salesianos.com.br
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Deus nos ensina a acolher e amar sempre o arrependido

No Santo Evangelho narrado segundo São Lucas capítulo 15, vemos que o amor do Pai é o fundamento da atitude de Jesus diante dos homens. Respondendo à crítica daqueles que se consideram justos, cheios de mérito e se escandalizam da solidariedade para com os pecadores, Jesus narra três parábolas.
Refletindo sobre a terceira parábola lucana, vemos que ela tem dois aspectos: o processo de conversão do pecador e o problema do “justo” que resiste ao amor do Pai.
Popularmente, nós a conhecemos como a parábola do filho pródigo. Ela nos ensina a destacar a conversão na iniciativa de Deus. Em sua misericórdia, Ele prepara e aceita os primeiros sintomas de arrependimento. Como sempre, Deus está de mãos estendidas para nós. Quase nos toca, só falta um pequeno gesto nosso para que Ele nos abrace carinhosamente em seu amor. Seu perdão é completo e sem reprovações. O Reino de Deus exulta de alegria quando um pecador é convertido.
A parábola do Filho Pródigo resume a história da salvação e constitui também uma síntese da história pessoal de cada um de nós. O filho mais novo se emancipa, fracassa e retorna. Da parte do pai, é uma questão de amor e paciência. Da parte do filho, é todo um processo psicológico de ida e volta, de fuga e retorno. Esse filho reflete uma situação comum na nossa humanidade: a imagem do homem pecador que se afasta de Deus e, depois volta para Ele.
A saga do Filho pródigo é uma história muito bonita, que mostra a grandiosidade de Deus e seu infinito e misericordioso amor, e a nossa fragilidade, miséria e pecado.
O filho mais novo reconhece seus erros e volta arrependido esperando o menos, ou seja, que o seu pai o aceite como empregado. É motivo de festa para o pai.
Mas essa história nos alerta para um erro oposto: o farisaísmo. Às vezes estamos mais perto de Deus do que outros irmãos, mas, mesmo assim, o nosso egoísmo nos afasta d'Ele. Achamos que merecemos mais, que somos melhores do que os outros. O filho mais velho é também pecador, considera-se perfeito e se revolta pela festa que o pai faz para o mais novo.
O pai sai ao encontro de ambos, um muda de vida e é justificado, o outro fecha-se em sua soberba e egoísmo.
Mas este também é filho e também é amado. Como disse o pai, “tu estás sempre comigo e tudo o que é meu é teu”.
É tempo de conversão. Mas não somente para aqueles que se afastaram de Deus e retornam. É preciso haver conversão, com a mesma intensidade, entre os que se consideram muito bons e até melhores do que o comum das pessoas. Assim somos convidados nesses dias que nos antecedem a celebração da Páscoa do Ressuscitado a procurarmos um confessionário e fazer uma boa confissão auricular, individual, acusando nossos pecados e pedindo a misericórdia de Deus pela absolvição sacramental de um sacerdote.
A conversão, que é preparada por Deus, mas que exige a nossa atuação, é um processo lapidador, que vai nos tornando sempre melhores do que éramos, mas nunca melhores do que nossos irmãos.
Se todos e cada um de nós nos déssemos às mãos, não haveria – como para o Pai celeste não há - melhores, nem piores. Haveria, sim, uma multidão que quer se salvar, salvando o mundo. Sozinhos, nada somos. Juntos, unidos, despidos de egoísmo, seremos os construtores de um mundo melhor, mais fraterno, cheio de alegria, felicidade e paz. Em suma, plenos de Deus.

CNBB
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Por que as prostitutas vos precederão no Reino dos céus?

«Um homem tinha dois filhos. Dirigindo-se ao primeiro, disse-lhe: - Meu filho, vai trabalhar hoje na vinha. Respondeu ele: - Não quero. Mas, em seguida, tocado de arrependimento, foi. Dirigindo-se depois ao outro, disse-lhe a mesma coisa. O filho respondeu: - Sim, pai! Mas não foi. Qual dos dois fez a vontade do pai? O primeiro, responderam-lhe.».


O filho da parábola que diz «sim» mas não faz representa aqueles que conheciam Deus e seguiam sua lei, mas depois, em sua atuação prática, quando se tratava de acolher Cristo, que era «o fim da lei», deram um passo atrás. O filho que diz «não» e faz representa aqueles que antes viviam fora da lei e da vontade de Deus, mas depois, com Jesus, se arrependeram e acolheram o Evangelho. Daqui a conclusão que Jesus põe diante «dos príncipes dos sacerdotes e dos anciãos do povo»: «Em verdade vos digo que os publicanos e as prostitutas vos precederão no Reino de Deus».


Nenhuma frase de Cristo foi mais manipulada que esta. Acabaram criando às vezes uma espécie de aura evangélica em torno da categoria das prostitutas, idealizando-as e opondo-as a todos os demais, indistintamente, escribas e fariseus hipócritas. A literatura está cheia de prostitutas «boas». Basta pensar na Traviata, de Verdi, ou na humilde Sonia de Crime e castigo, de Dostoiévski!


Mas isso é um terrível mal-entendido. Jesus apresenta um caso limite, como se estivesse dizendo: «inclusive as prostitutas – e é muito dizer – vos precederão no Reino de Deus». A prostituição é vista com toda sua seriedade, e tomada como termo de comparação para estabelecer a gravidade do pecado de quem rejeita obstinadamente a verdade.


É preciso perceber também que idealizando a categoria das prostitutas se costuma idealizar também a dos publicanos, que sempre a acompanha no Evangelho. Se Jesus aproxima estas duas categorias não é sem um motivo: ambos puseram o dinheiro acima de tudo na vida.


Seria trágico se esta palavra do Evangelho fizesse que os cristãos perdessem o empenho por combater o fenômeno degradante da prostituição, que assumiu hoje proporções alarmantes em nossas cidades. Jesus sentia muito respeito pela mulher para não sofrer, ele em primeiro lugar, pelo que esta chega a ser quando se reduz a esta situação. É por isso que ele valoriza a prostituição não por sua forma de viver, mas por sua capacidade de mudar e de pôr ao serviço do bem sua própria capacidade de amar. Como Madalena que, após converter-se, seguiu Cristo até a cruz e se converteu na primeira testemunha da ressurreição (supondo que foi uma delas).


O que Jesus queria dizer com essa palavra aparece claramente no final: os publicanos e as prostitutas se converteram com a pregação de João o Batista; os príncipes dos sacerdotes e dos anciãos não. O Evangelho não nos impulsiona portanto a promover campanhas moralizadoras contra as prostitutas, mas tampouco a não levar a sério este fenômeno, como se não tivesse importância.


Hoje, por outro lado, a prostituição se apresenta sob uma forma nova, pois consegue produzir muito dinheiro sem nem sequer correr os tremendos riscos que sempre correram as pobres mulheres condenadas à rua. Esta forma consiste em vender o próprio corpo, ficando tranqüilamente na frente de uma máquina fotográfica ou uma câmera de vídeo, sob a luz dos refletores. O que a mulher faz quando se submete à pornografia e a certos excessos da publicidade é vender seu próprio corpo aos olhares. É prostituição pura e dura, e pior que a tradicional, porque se impõe publicamente e não respeita a liberdade nem os sentimentos das pessoas.


Mas feita esta necessária denúncia, trairíamos o espírito do Evangelho se não destacássemos também a esperança que esta palavra de Cristo oferece às mulheres que, por diversas circunstâncias da vida (com freqüência por desespero), se encontram na rua, a maioria das vezes, vítimas de exploradores sem escrúpulos. O Evangelho é «evangelho», ou seja, boa notícia, notícia de resgate, de esperança, também para as prostitutas. E mais, antes de tudo para elas. Jesus quis que fosse assim.


Fr. Raniero Cantalamessa, ofmcap
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sábado, 26 de março de 2011

Beatificação de João Paulo II: mensagem da CNBB

SÃO PAULO, sexta-feira, 25 de março de 2011 (ZENIT.org) – Apresentamos a mensagem que CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) divulgou nesta sexta-feira, por ocasião da beatificação do Papa João Paulo II, que será realizada no dia 1º de maio.
* * *
“Deus nos chamou à santidade” (1 Ts 4,7)
A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) dirige-se aos católicos e a todas as pessoas de boa vontade para manifestar sua alegria e gratidão a Deus pela beatificação do Servo de Deus, João Paulo II, no próximo dia primeiro de maio. O Papa João Paulo II amava muito o Brasil e visitou nosso País por três vezes. Entre nós, ele foi carinhosamente acolhido e aclamado como “João de Deus”.
A beatificação nos incentiva a aprofundar nossa vocação universal à santidade. Na sua primeira mensagem, ele convidou a todos: “abri as portas a Cristo Jesus!” Sua vida foi um testemunho eloquente de santidade, pela grande fé, amor à Eucaristia, devoção filial a Maria e pela prática do perdão incondicional. A Palavra de Deus foi por ele intensamente vivida e anunciada aos mais diferentes povos. A espiritualidade da cruz o acompanhou na experiência da orfandade e da pobreza, nas atrocidades da guerra e do regime comunista, mas principalmente no atentado sofrido na Praça de São Pedro. De maneira serena e edificante, suportou as incompreensões e oposições, as limitações da idade avançada e da doença.
O mundo inteiro foi edificado pelo seu empenho em favor da vida, da família e da paz, dos direitos humanos, da ecologia, do ecumenismo e do diálogo com as religiões. Revelou-se um grande líder mundial, um verdadeiro “pai” da família humana. Pediu várias vezes perdão pelas falhas históricas dos filhos da Igreja. Ele mesmo foi ao encontro do seu agressor, na prisão, oferecendo-lhe o perdão. Pela encíclica Dives in Misericordia e na instituição do “Domingo da Divina Misericórdia”, manifestou seu compromisso com a reconciliação da humanidade.
Foi um papa missionário. Numerosas viagens apostólicas marcaram seu pontificado e incentivaram, na Igreja, o ardor missionário e o diálogo com as culturas. No Grande Jubileu conclamou e encorajou a Igreja a entrar no terceiro milênio cristão, “lançando as redes em águas mais profundas”. Afirmou e promoveu a dignidade da mulher; ampliou o ensino Social da Igreja e confirmou que a promoção humana é parte integrante da evangelização. Valorizou os meios de comunicação social a serviço do Evangelho. A todos cativou pelo seu afeto e sensibilidade humana; crianças, jovens, pobres, doentes, encarcerados e trabalhadores foram seus preferidos.
O Papa João Paulo II estimulou, especialmente, as vocações sacerdotais, religiosas e missionárias. Aos sacerdotes dirigiu, todos os anos, na Quinta-Feira Santa, sua Mensagem pessoal. Leigos e consagrados foram valorizados e encorajados nos Sínodos a eles dedicados, para promover sua dignidade, vocação e missão na Igreja.
Convidamos, portanto, todo o povo a louvar e agradecer a Deus pela beatificação do Papa João Paulo II. “O Brasil precisa de santos”, proclamou ele na beatificação de Madre Paulina. Sensibilizados por essas palavras, confiamos à sua intercessão a santificação da Igreja e a paz no mundo. Fazemos votos de que seu testemunho e seus ensinamentos continuem a animar a grande família dos povos na construção de uma convivência justa, solidária e fraterna, sinal do Reino de Deus, entre nós.
Brasília, na Solenidade da Anunciação do Senhor,
25 de março de 2011

Dom Geraldo Lyrio Rocha
Arcebispo de Mariana
Presidente da CNBB
Dom Luiz Soares Vieira
Arcebispo de Manaus
Vice-Presidente da CNBB
Dom Dimas Lara Barbosa
Bispo Auxiliar do Rio de Janeiro
Secretário-Geral da CNBB
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"CONFESSIONÁRIO PODE SER LUGAR DE SANTIFICAÇÃO."

Bento XVI recebeu em audiência, nesta sexta-feira, os participantes do encontro promovido pela Penitenciaria Apostólica.

Em seu discurso, o Papa ressaltou a importância de aprofundar os temas relativos ao Sacramento da Penitência e sublinhou o valor pedagógico da Confissão Sacramental.

"A fiel e generosa disponibilidade dos sacerdotes à escuta das confissões, sob o exemplo dos grandes Santos da história, indica a todos nós como o confessionário pode ser um lugar de santificação" – frisou Bento XVI.

"De que maneira o Sacramento da Penitência nos educa? Em que sentido a sua celebração tem um valor pedagógico, sobretudo para os ministros?" – perguntou o pontífice.

"Podemos iniciar do reconhecimento de que a missão sacerdotal constitui um ponto de observação único e privilegiado de onde poder contemplar cotidianamente o esplendor da Misericórdia Divina. Confessar significa ajudar muitas professiones fidei como são os penitentes e contemplar a ação do Deus misericordioso na história, tocar com as mãos os efeitos salvíficos da Cruz e da Ressurreição de Cristo, em todos os tempos e em cada pessoa" – disse ainda Bento XVI.

Segundo o Papa, "a íntegra confissão dos pecados educa o penitente à humildade, ao reconhecimento da própria fragilidade, a ter consciência da necessidade do perdão de Deus e confiar que a graça divina pode transformar a vida".

O Papa disse aos sacerdotes que experimentar a Misericórdia Divina e ser humildes instrumentos, os educam a uma sempre mais fiel celebração do Sacramento da Penitência e a uma profunda gratidão a Deus que lhes confiou o ministério da reconciliação.
 Rádio Vaticano
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A força da penitência

Deus desde sempre chama o ser humano a reconhecer os seus pecados, fazer penitência para que possa ser capaz de acolher o Reino de Deus que está cada vez mais próximo de nós. Mas para falar da penitência é necessário fazer-nos uma pergunta fundamental: de que penitência falamos? Não é a mesma coisa tratar da penitência sacramento. Esta é a confissão dos nossos pecados através da mediação do sacerdote que, em nome de Deus, nos dá o perdão, nos reconcilia conosco e com os outros, nos lava no sangue de Cristo e nos permite ter uma vida nova, cheia de amor e boas obras. O sacramento da penitência é sem dúvida o mais belo dom que Deus dá a cada um de nós através da sua Igreja. Nada de mais profundo, belo e pacificador que ouvir sobre nós “eu te absolvo de teus pecados”, as palavras que aquele que age na “pessoa de Cristo” nos diz:
“Deus, Pai de misericórdia, que, pela morte e ressurreição de seu Filho,reconciliou o mundo consigo e enviou o Espírito Santo para remissão dos pecados, te conceda, pelo ministério da Igreja,o perdão e a paz. E eu te absolvo dos teus pecados,
Em nome do Pai, e do Filho e do Espírito Santo. Amém.”

Estas palavras são como que uma chuva que fecunda o nosso deserto, uma ponte que se reata a um caminho novo. Não devemos ter medo do amor de Deus, mas como dizem os santos, temamos “ofendê-lo” através da nossa maldade.

Neste artigo, porém, não queremos falar do sacramento da penitência ou confissão, mas sim da virtude da penitência. Uma virtude que é necessário adquirir para podermos carregar com “alegria e aceitação” a cruz de Cristo que nos é oferecida no nosso dia-a-dia. O mesmo Jesus, no início de sua pregação nos diz: “aquele que quer vir após mim, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me!”

Vamos, portanto, tentar compreender esta virtude que é autodomínio, controle de si mesmo, ascese e purificação de tudo o que não é Deus. Implica em afastar de nós todas as coisas que não nos permitem viver o mistério do amor infinito do Senhor.

Penitência
É uma virtude cristã fundamental para o crescimento interior e que integra toda a nossa vida espiritual, nos oferece sem dúvida elementos para podermos compreender melhor a superação do pecado, a nossa aliança com Deus, a nossa fidelidade e amor ao Senhor e ao próximo. Consiste na renúncia consciente em vista de um bem, por isso a penitência e o sacrifício em si mesmos não têm sentido, seria puro masoquismo ou renúncia de “besta”, como diz São João da Cruz, que era penitente e entendia de pessoas penitentes, mas também entendia de pessoas desequilibradas que faziam penitências para mostrar o que não eram.

A penitência cristã não consiste na privação por alguns momentos para em seguida “recuperar os tempos perdidos”, como me contava uma mulher santa e sábia: “Durante a quaresma eu faço penitência de não comer chocolate, mas, no dia da páscoa, eu recupero e como até me saciar...” A que serve esta maneira de pensar e de agir? A nada. Ou aquele distinto senhor que era capaz de ficar um mês inteiro sem beber nada alcoólico, mas depois esvaziava garrafas inteiras. Não é esta a penitência que o Senhor deseja.

São João da Cruz sobre penitência é bastante claro e lúcido.

“Atraídos pelo gosto experimentado em suas devoções, alguns se matam de penitências; outros se enfraquecem com jejuns, indo além do que a sua debilidade natural pode suportar. Agem sem ordem nem conselho do outrem; furtam o corpo à obediência, à qual se devem sujeitar; chegam até o ponto de agir contrariamente ao que lhes foi mandado.

Tais almas são imperfeitíssimas, e parecem ter perdido a razão. Colocam a sujeição e a obediência, isto é, a penitência racional e discreta, aceita por Deus como o melhor e mais agradável sacrifício, abaixo da penitência física, que, separada da primeira, é apenas sacrifício animal a que, como animais, se movem, pelo apetite e gosto ali oferecido.” (1N 6,1- 2)

A penitência deve ser vista como atitude interior de todo o nosso ser para nos converter e assumir com verdade o evangelho de Jesus como norma de vida. O Papa Paulo VI, em 1966, nos deu uma Constituição apostólica chamada “Paenitemini”. Nesta carta o Papa tenta reapresentar a virtude da penitência como algo de fundamental para vivenciar com maior coerência o evangelho. Reafirma os valores bíblicos, teológicos e místicos da penitência. Todo o sentido da penitência é alcançar melhor a vivência do Cristo em nossa vida. O mundo de hoje rejeita tudo o que tem sabor de dor, sofrimento, renúncia. É um mundo marcado pelo prazer, pelo hedonismo e não quer conhecer que não se pode gozar das cosias eternas sem renunciar às coisas da terra.
Ainda o nosso mestre João da Cruz coloca bem em realce quando, com algumas frases secas, mas eficazes diz: “Inclinar-se sempre não ao mais fácil, mas sim ao mais difícil; não ao mais saboroso, mas ao mais insípido, não ao mais gostoso, mas ao que não dá gosto; não se inclinar ao que é descanso, mas ao mais trabalhoso... não andar buscando o melhor das coisas, mas o pior; e por Jesus Cristo ter, para com todas as coisas do mundo, desnudez, vazio e pobreza.” (Ditos 159). Quando, portanto, falamos da penitência, entendemos um conjunto de atitudes e de ações que manifestam no dia a dia nossa vontade de renunciar a tudo o que não é Deus.

Conversão evangélica

Jesus inicia a sua pregação convidando a todos à conversão, que não é outra coisa senão viver em penitência, com atitude de renúncia ao passado e presente para um novo estilo de vida, marcado pelo anúncio do Reino. “Completou-se o tempo, e o reino de Deus está próximo. Convertei-vos e crede no Evangelho.” (Mc 1, 15) O evangelho é boa nova, é dom, nunca Jesus obriga alguém a viver a sua palavra, mas convida com amor, com insistência, deixando a liberdade que fica sempre ao homem que pode dizer o seu sim ou o seu não. A liberdade é oferta de Deus e resposta do homem. Mas toda conversão vai exigindo uma decisão forte e corajosa por parte de cada um de nós. Converter-se é romper com o que não está certo e fazer um caminho de volta, de retorno.

Esta penitência tem um nome um pouco difícil em grego: “metanoia”. Esta palavra significa mudança de pensamento, do modo de contemplar as coisas, revestir-se de um pensamento novo que é o pensamento de Cristo. Não pensar mais como o mundo, mas sim com a palavra de Deus. O evangelista Lucas apresenta com solenidade a entrada da mensagem de Cristo na história, e o faz para que todos se convençam que a missão de Jesus não é de poder nem de morte, mas sim de serviço e de vida. “Não vim chamar para a conversão os justos, mas os pecadores”.(Lc 5,32) Ele sabe que veio e está no nosso meio para salvar os “pecadores”, mas afinal quem são os pecadores e o que é o pecado? É curioso que a Igreja no Catecismo da Igreja Católica dê uma definição de pecado, mas não de pecadores. Todos temos medo de assumir a nossa atitude, a nossa profissão de “pecadores”. Na verdade pecador é quem “erra o centro de sua missão, se afasta do projeto inicial, e toma um caminho que o leva longe do seu destino”.

Jesus não pede muitas coisas aos pecadores para voltarem ao caminho certo, somente duas que são fundamentais para qualquer pessoa que queira ser sinal vivo do Senhor.

Penitência: Isto é, atos concretos de despojamento, de morte ao mal. Uma determinada determinação de assumir uma vida nova. Toda mudança exige esforço e treino.
Às vezes eu me pergunto quantos sacrifícios e renúncias em vista de um prêmio fazem os atletas? O apóstolo Paulo lembra muito bem isso quando diz: “Não sabeis que os que correm no estádio correm todos, mas só um alcança o prêmio? Correi, pois, de modo que o alcanceis.” (1Cor 9, 24) Ascese, sacrifício, renúncia... são meios para se chegar à meta que é Cristo.
Compromisso de não pecar mais: O perdão é gratuito mas tem um preço para que seja eficaz, não pecar mais. É o que Jesus sempre pede depois que ele perdoa, como no caso da mulher adúltera: “os teus pecados estão perdoados, vá em paz e não peques mais.” É exigência fundamental da vida. Davi relembra: “Ensinarei os teus caminhos aos pecadores”. O apostolado dos pecadores convertidos é ensinar e educar para que outros não cometam o mesmo erro. Não devemos ter medo do nosso passado, mas sim do nosso futuro. É o que Jesus nos recorda: “Não peques mais para que não te aconteçam coisas ainda piores”. É advertência e não maldição.

A virtude da penitência

Uma das mais belas descrições da virtude da penitência me parece que continua a ser aquela dada pelo concilio de Trento quando diz: “É dor interior, aborrecimento do pecado cometido, com o propósito de não voltar a pecar”. É algo fundamental que deve ser ensinado às pessoas que convivem conosco. É necessário perceber dentro de nós a “dor” pelos erros cometidos. Às vezes nos santos esta dor era algo físico, mas em nós deve ser pelo menos um arrependimento interior que nos leve a fugir de todas as ocasiões de pecado. Superamos o erro quando nos sentimos profundamente conscientes dele. Não porque os outros nos dizem, mas sim porque nos convencemos que o mais prejudicado pelo pecado somos nós mesmos que perdemos, por uma alegria passageira e efêmera, a paz interior.

A virtude da penitência deve ser adquirida com muito esforço e persistência. Todos sabemos disto, embora nem sempre queiramos nos convencer desta realidade.
“Naturalmente, não seria razoável que uma pessoa fraca e doente se pusesse a fazer muitos jejuns e penitências, fosse para um deserto — onde não pudesse dormir nem tivesse comida — ou coisas semelhantes. Temos de pensar que, com o favor de Deus, podemos esforçar-nos para atingir um grande desprezo pelo mundo e pelas suas honras, desapegando-nos dos bens terrenos. É tão fraco o nosso coração que achamos que o chão vai faltar se nos descuidarmos um pouco do corpo para dar mais ao espírito. Logo pensamos que a fartura facilita o recolhimento, porque a preocupação perturba a oração” (Santa Teresa de Ávila, Vida 13,4).

Quatro formas penitenciais:

Brevemente, porque este não é um tratado sobre a virtude da penitência mas são simplesmente idéias e luzes que vão iluminando a vida de cada um de nós e cabe a nós sabermos assumir as atitudes mais necessárias e mais adequadas para nossa vida concreta.

1. A oração

A oração vista como forma de penitência. Nem sempre é fácil rezar, é necessário uma renúncia constante de outros valores e atividades, às vezes muito mais agradáveis. É um momento de encontro com o invisível que nos chama à intimidade com Ele. Exige uma força de vontade não indiferente para sermos fiéis à nossa oração pessoal, comunitária e litúrgica. Todos os dias participar da Eucaristia, rezar o terço... são formas de fidelidade que revelam um caráter que se formou na escola dos profetas e dos santos. Santa Teresa de Ávila e São João da Cruz sobre este aspecto apresentam um caminho de esvaziamento, de renúncia sem o qual não será possível chegar à plenitude de Deus.

“Os que começam a ter oração apanham a água do poço, o que é muito trabalhoso...” (Santa Teresa, V 11,7-9).
“Amado meu, todo o áspero e trabalhoso quero para mim, e, para ti, tudo quanto é suave e saboroso” (São João da Cruz, D 129).

2. A esmola

A verdadeira esmola não é o “supérfluo, o inútil”. Quem faz limpeza na época da Campanha da Fraternidade em sua casa, dando aos pobres tudo o que é inservível, não faz caridade alguma, simplesmente desrespeita o irmão e faz dele “o cesto do lixo”. É necessário na caridade dar o que está “dentro do nosso prato”, o que é bom e não o descartável. Até os grandes supermercados acham que fazem caridade dando os produtos um dia antes de terem a validade vencida. Precisamos rever a nossa atitude de vida de caridade e de esmola como virtude da “penitência”. Todos sabemos como é difícil se privar de algo que gostamos para fazer alguém feliz.

3. O jejum
O jejum é a forma mais tradicional da “penitência”. Atualmente na Igreja os jejuns são “reduzidíssimos”, são dois e se a Igreja tirar também estes dois não tem problema nenhum… Mas jamais a Igreja poderá tirar do evangelho e da práxis o espírito penitencial do jejum, que é participar da paixão de Cristo, sermos solidários com os que sofrem, dividir o que temos. São atitudes necessárias no seguimento de Jesus. Não é permitido o “luxo” que fere a dignidade dos pobres. O evangelho é algo de muito austero e simples, sem negar a alegria em nada. Tudo é santo quando os nossos olhos forem santos e puros.

4. O vestir-se
A maneira de se vestir sempre manifestou atitudes interiores. Já os Padres da Igreja, Agostinho e Jerônimo são muito duros com aqueles que se vestem ricamente para se mostrar, para aparentar uma beleza passageira. A beleza não está nem nos vestidos nem nas jóias, mas sim nas “virtudes que adornam nossa alma”. A forma como nos vestimos revela o que buscamos, a essencialidade de Deus. Mas o desleixo não revela o devido respeito ao corpo, “sacramento” do amor infinito de Deus, mas sim puro descuido, e isto não vem do Senhor. Pode-se vestir pobremente, mas com dignidade e profundo amor.

Fonte:
Frei Patrício Sciadini ocd
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sexta-feira, 25 de março de 2011

O Ministério da Igreja de Reconciliação

Comunidade reconciliada e reconciliadora, a Igreja não pode esquecer que na origem do seu dom e da sua missão de reconciliação se encontra a iniciativa, cheia de amor compassivo e de misericórdia, daquele Deus que é amor (41) e que por amor criou os homens: (42) criou-os, com o fim de viverem em amizade com Ele e em comunhão entre si.
A reconciliação vem de Deus
Deus é fiel ao seu desígnio eterno mesmo quando o homem, induzido pelo Maligno (43) e arrastado pelo seu orgulho, abusa da liberdade que lhe foi dada para amar e procurar generosamente o bem, recusando a obediência ao seu Senhor e Pai; mesmo quando o homem, em vez de responder com amor ao amor de Deus, se opõe a Ele como a um seu rival, iludindo-se e presumindo das suas forças, com a consequente ruptura das relações com Aquele que o criou. Não obstante esta prevaricação do homem, Deus permanece fiel no amor. A narração do jardim do éden leva-nos, certamente, a meditar sobre as consequências funestas da rejeição do Pai, que se traduz na desordem interna do homem e na ruptura da harmonia entre o homem e a mulher e entre irmão e irmão. (44) Também é significativa a parábola evangélica dos dois filhos que se afastam do pai, de maneira diversa, cavando um abismo entre si. A recusa do amor de Deus e dos seus dons de amor está sempre na raiz das divisões da humanidade.
Mas nós sabemos que Deus, «rico em misericórdia» (45) tal como o pai da parábola, não fecha o coração a nenhum dos seus filhos. Espera-os, procura-os, vai alcançá-los precisamente no ponto em que a recusa da comunhão os aprisiona no isolamento e na divisão e chama-os a reunirem-se à volta da sua mesa, na alegria da festa do perdão e da reconciliação.
Esta iniciativa de Deus concretiza-se e manifesta-se no acto redentor de Cristo, que se irradia no mundo mediante o ministério da Igreja.

De acordo com a nossa fé, de facto, o Verbo de Deus fez-se carne e veio habitar a terra dos homens, entrou na história do mundo, assumindo-a e recapitulando-a em si. (46) Ele revelou-nos que Deus é amor e deu-nos o «mandamento novo» (47) do amor, comunicando-nos, ao mesmo tempo, a certeza de que o caminho do amor está aberto a todos os homens, de tal modo que não é vão o esforço para instaurar a fraternidade universal. (48) Vencendo, com a sua morte na Cruz, o mal e a força do pecado, pela sua obediência cheia de amor trouxe a salvação a todos e tornou-se para todos «reconciliação». N'Ele, Deus reconciliou o homem consigo.

A Igreja, continuando o anúncio de reconciliação que Cristo apregoou nas aldeias da Galileia e de toda a Palestina, (49) não cessa de convidar a humanidade inteira a converter-se e a acreditar na Boa Nova; ela fala em nome de Cristo, fazendo seu o apelo do Apóstolo Paulo, que já recordámos: «Nós somos ... embaixadores ao serviço de Cristo, como se Deus exortasse por nosso intermédio. Suplicamo-vos, pois, em nome de Cristo: Reconciliai-vos com Deus». (50)

Quem aceita este apelo entra na economia da reconciliação e faz a experiência da verdade contida naquele outro anúncio de São Paulo, segundo o qual Cristo «é a nossa paz, ele que fez de dois povos um só, destruindo o muro de separação, isto é, de inimizade que constituía a barreira (...) estabelecendo a paz para reconciliar uns e outros com Deus». (51) Embora este texto diga directamente respeito à superação da divisão religiosa entre Israel, como povo eleito do Antigo Testamento, e os outros povos, todos chamados a fazer parte da Nova Aliança, ele contém, todavia, a afirmação da nova universalidade espiritual, querida por Deus e por Ele realizada, mediante o sacrifício do seu Filho, o Verbo feito homem, sem limites nem exclusões de qualquer género, para todos aqueles que se convertem e acreditam em Cristo. Todos, portanto, somos chamados a usufruir dos frutos desta reconciliação querida por Deus: todos e cada um dos homens, todos e cada um dos povos.

A Igreja, grande sacramento de reconciliação

11. A Igreja tem a missão de anunciar esta reconciliação e de ser o seu sacramento no mundo. A Igreja é sacramento, isto é, sinal e instrumento de reconciliação, por diversos títulos, de valor diferente, mas todos convergentes para a obtenção daquilo que a iniciativa divina de misericórdia quer conceder aos homens.

É-o, acima de tudo, pela sua própria existência de comunidade reconciliada, que testemunha e representa no mundo a obra de Cristo.

É-o, depois, pelo seu serviço de guardiã e intérprete da Sagrada Escritura, que é Boa Nova de reconciliação, na medida em que faz conhecer de geração em geração o desígnio de amor de Deus e indica a cada um as vias da reconciliação universal em Cristo.

É-o, por fim, pelos sete Sacramentos que, de um modo peculiar a cada um deles, «perfazem a Igreja». (52) Efectivamente, uma vez que comemoram e renovam o mistério da Páscoa de Cristo, todos os Sacramentos são fonte de vida para a Igreja e, nas mãos dela, instrumento de conversão a Deus e de reconciliação dos homens.

Outros caminhos de reconciliação

12. A missão reconciliadora é própria de toda a Igreja, mesmo e sobretudo daquela já foi admitida à plena participação da glória divina, com a Virgem Maria e com os Anjos e os Santos, os quais contemplam e adoram o Deus três vezes santo. Igreja do Céu, Igreja da Terra e Igreja do Purgatório estão misteriosamente unidas nesta cooperação com Cristo para reconciliar o mundo com Deus.

A primeira via desta acção salvadora é a oração. Sem dúvida a Virgem Santíssima, Mãe de Cristo e da Igreja, (53) e os Santos, que já chegaram ao termo da caminhada terrena e à posse da glória de Deus, sustentam, com a sua intercessão, os seus irmãos peregrinos no mundo, no empenho de conversão, de fé, de recuperação após cada queda, de actividade para fazer crescer a comunhão e a paz na Igreja e no mundo. É no mistério da Comunhão dos Santos, que a reconciliação universal é actuada na sua forma mais profunda e mais frutuosa para a salvação de todos.

Há, depois, uma outra via: a da pregação. Discípula do único Mestre Jesus Cristo, a Igreja, por sua vez como Mãe e Mestra, não se cansa de propor aos homens a reconciliação e não hesita em denunciar a maldade do pecado, em proclamar a necessidade da conversão, em convidar e em pedir aos homens que «se deixem reconciliar». Na realidade, é essa a sua missão profética no mundo de hoje, como no de ontem: é a mesma missão do seu Mestre e Cabeça, Jesus. Como ele, a Igreja há-de realizar sempre tal missão com sentimentos de amor misericordioso e levar a todos as palavras do perdão e o convite à esperança, que vêm da Cruz.

Há ainda a via, tantas vezes difícil e árdua, da acção pastoral para trazer cada um dos homens — sejam eles quem forem e onde quer que se encontrem — ao caminho, por vezes longo, do retorno ao Pai na comunhão com todos os irmãos.

Há, por fim, a via do testemunho, quase sempre silencioso, que nasce duma dupla consciência da Igreja: a de ser em si «indefectivelmente santa», (54) mas ao mesmo tempo necessitada de continuar «a purificar-se, dia a dia, até que Cristo a faça comparecer na sua presença, gloriosa, sem mancha nem ruga», dado que, por causa dos nossos pecados, por vezes «o seu rosto resplandece menos» aos olhos de quem a vê. (55) Este testemunho não pode deixar de assumir duas manifestações fundamentais: ser sinal daquela caridade universal que Jesus Cristo deixou como herança aos seus seguidores, como prova da pertença ao seu Reino; e traduzir-se em factos sempre novos de conversão e de reconciliação no interior e no exterior da Igreja, com a superação das tensões, com o perdão recíproco e com o crescimento no espírito de fraternidade e de paz, que tem de ser propagado no mundo inteiro. Percorrendo esta via a Igreja poderá actuar validamente para fazer com que nasça aquilo a que o meu Predecessor Paulo VI chamava «a civilização do amor».
por Papa João Paulo II *


Exortação Reconciliatio et Paenitentiae, 5 -12
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quinta-feira, 24 de março de 2011

A Corda - tempo de confissão

- Contava um velho rabino: cada um de nós está ligado a Deus por uma corda. E, quando cometemos uma falta, a corda se rompe. Mas quando nos arrependemos da falta, Deus dá um nó na corda. Com isso, a corda fica mais curta do que antes. E o pecador fica um pouco mais perto de Deus! Desse modo, de falta em falta, de arrependimento em arrependimento, de nó em nó, aproximamo-nos de Deus. Por fim, cada um dos nossos pecados é ocasião de diminuir um pouco a corda com nós e de chegar com mais rapidez perto do coração de Deus. Tudo é graça! Mesmo os pecados.

Chegando a Páscoa acredito que muitos católicos aproveitem para cumprir o chamado “preceito pascal”. É o mínimo que a Igreja, como uma boa mãe, nos pede: aproximar-nos dos sacramentos da Reconciliação e da Eucaristia ao menos uma vez ao ano, justamente por ocasião da Páscoa.

Simplesmente a Igreja nos convoca a deixar-nos reconciliar com Deus e com o próximo. O perdão e a paz do coração são sinais da novidade pascal. Entenderíamos e experimentaríamos bem pouco da paixão, morte e ressurreição de Jesus se não fizéssemos também a experiência do arrependimento e do perdão.

Mais uma vez o Senhor quer nos ajudar a nos libertar de tantas amarras que podemos ter acumulado com o passar do tempo e, quem sabe, dos anos. Não dá para voltar atrás, nem corrigir o mal feito, mas podemos recuperar as relações, mudar atitudes, renovar o nosso olhar. Onde deixamos rastos de raiva e de mágoas podemos colocar palavras de desculpa sincera. Lá onde julgamos com pré-conceito e cegueira, podemos aproximar-nos desarmados e confiantes. Se formos injustos, aproveitadores, falsos e enganadores, podemos dizer a verdade, praticar uma justiça reparadora, consertar os estragos do nosso interesse e do nosso egoísmo.

A reconciliação e o perdão fazem milagres. Nos aproximam mais de Deus porque, descobrindo quanto nos custa perdoar, podemos perceber a grandeza da sua misericórdia. Da mesma forma a reconciliação nos aproxima novamente dos nossos irmãos. Se conseguirmos voltar a nos comunicar, a nos entender e a nos amar, alcançaremos também a paz do coração. Fica bem mais agradável viver num ambiente alegre e fraterno do que numa situação de conflitos, meias palavras, diretas e indiretas.

Cabe a nós descobrir onde e como estamos errados, para corrigir as nossas faltas. Muitos se perguntam como reconhecer claramente os pecados para deles pedir perdão. Depende. Se olharmos os erros dos outros, os escândalos e as violências, podemos pensar que somos quase santos. Contudo nós cristãos só devemos olhar a  Jesus Cristo, para com Ele aprender a amar e a doar a nossa vida. A luz da paixão do Senhor e do alvorecer da Páscoa ilumina os segredos mais escondidos do nosso coração. Até os que escondemos a nós mesmos. Não tenhamos medo, a vida nova que Jesus nos oferece, deve ser nova mesmo, nada de velho, caduco e escondido. Tudo luminoso e sincero.

Outra dificuldade para uma boa Reconciliação, muitas vezes, é o nosso receio a abrir o coração ao padre para que nos ofereça, pelo ministério da Igreja, o perdão e a paz. Isso é compreensível e extremamente humano. Mas o padre não é, e não pode ser, um fiscal, um juiz, muito menos um fuxiqueiro. É rigorosamente obrigado ao silêncio pelo segredo da confissão, porque ele mesmo é um pecador,  porém, naquele momento, representa o próprio Jesus que dizia com força e esperança aos pecadores e pecadoras arrependidos: - Vá em paz, os teus pecados estão perdoados!

Deixemos, nesta Páscoa, que o Senhor repita para nós essas palavras. Estamos precisando do seu sangue para nos lavar de novo, do seu amor e da sua luz para recomeçar. Coragem! De nó em nó, chegaremos mais perto de Deus e dos irmãos.
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por Dom Pedro Conti,
site: CNBB
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Deus liberta e reúne o seu povo na alegria

- "Nações, ouvi a palavra do Senhor! Levai a notícia às ilhas longínquas". Qual é a notícia que está para ser anunciada com estas solenes palavras de Jeremias? Trata-se de uma notícia confortadora, e não é ocasional que os capítulos que a contêm (cf. 30-31), sejam qualificados como "Livro da consolação". O anúncio refere-se diretamente ao antigo Israel, mas já deixa de alguma forma entrever a mensagem evangélica.

Eis o centro deste anúncio: "Porque o Senhor resgatou Jacó e o libertou das mãos do seu dominador" (Jr 31,11). O quadro histórico destas palavras é constituído por um momento de esperança experimentado pelo povo de Deus, cerca de um século desde quando o Norte do País, em 722, fora ocupado pelo poder assírio. Agora, no tempo do profeta, a reforma religiosa do rei Josias exprime a volta do povo à aliança com Deus e faz surgir a esperança de que o tempo do castigo tenha terminado. Começa a delinear-se a perspectiva de que o Norte possa voltar à liberdade e Israel e Judá se recomponham na unidade. Todos, também as "ilhas mais distantes", deverão ser testemunhas deste acontecimento religioso: Deus, pastor de Israel, está para intervir. Ele, que permitiu a dispersão do seu povo, agora vem reuni-lo.

O convite à alegria é desenvolvido com imagens que compromete profundamente. É um oráculo que faz sonhar! Delineia um futuro em que os exilados "virão e cantarão", e encontrarão não só o Templo do Senhor, mas também todos os bens: o trigo, o vinho, o azeite, o pequeno rebanho e o gado. A Bíblia não conhece um espiritualismo abstrato. A alegria prometida não se refere apenas ao íntimo do homem, porque o Senhor cuida da vida humana em todas as suas dimensões. O próprio Jesus não deixará de realçar este aspecto, convidando os seus discípulos a terem confiança na Providência também para as necessidades materiais (cf. Mt 6,25-34). O nosso Cântico insiste sobre esta perspectiva: Deus quer fazer com que todos os homens sejam felizes. A condição que Ele prepara para os seus filhos é expressa pelo símbolo do "jardim bem regado" (Jr 31,12), imagem de vigor e fecundidade. O luto converte-se em festa, ficamos saciados de delícias (cf. v.14) e repletos de bens, a ponto que é espontâneo cantar e dançar. Será uma alegria irreprimível, uma alegria do povo.

Os acontecimentos históricos dizem-nos que este sonho não se realizou naquela época. Mas, não certamente por Deus não ter cumprido a sua promessa: desta desilusão foi responsável mais uma vez o povo, com a sua infidelidade. O mesmo livro de Jeremias encarrega-se de o mostrar com o desenvolvimento de uma profecia que se torna difícil e dura, e leva progressivamente a algumas das fases mais tristes da história de Israel. Não só os exilados do Norte não voltarão, mas a própria Judéia será ocupada por Nabucodonosor em 587 a.C.. Então começarão dias amargos, quando, junto dos rios da Babilônia, se deverão suspender as harpas (cf. Sl 136,2). Não poderá haver no coração qualquer disposição para cantar; não se pode rejubilar, se somos arrancados à força da pátria, a terra onde Deus estabeleceu a sua habitação.

Mas, todavia, a alegria que caracteriza este oráculo não perde o seu significado. De fato, permanece firme a motivação última sobre a qual se baseia, e que é expressa sobretudo por alguns versículos significativos, que precedem os que são propostos pela Liturgia das Horas. É necessário tê-los bem presentes, quando se lêem as expressões de alegria do nosso Cântico. Descrevem em termos vibrantes o amor de Deus pelo seu povo. Indicando um pacto irrevogável: "Amei-te com um amor eterno" (Jr 31,3). Cantam a alegria paterna de um Deus que chama a Efraim seu primogênito e o cobre de ternura: "Partiram entre lágrimas, conduzi-los-ei em grande consolação, por caminhos direitos em que não tropeçarão; porque sou como um pai para Israel" (Jr 31,9). Mesmo se a promessa não pôde ser então realizada por falta de empenho da parte dos filhos, o amor do Pai permanece na sua total e comovedora ternura.

Este amor constitui o fio de ouro que relaciona as fases da história de Israel, com as suas alegrias e tristezas, com os seus êxitos e fracassos. Deus não deixa de ser amoroso, e o próprio castigo é a sua expressão, assumindo um significado pedagógico e salvífico.

Na rocha firme deste amor, o convite à alegria do nosso Cântico evoca um futuro de Deus que, mesmo se é adiado, virá mais cedo ou mais tarde, apesar de todas as fraquezas do homem. Este futuro realizou-se na Nova Aliança com a morte e ressurreição de Cristo e com o dom do Espírito. Contudo, ele terá a sua realização plena na volta escatológica do Senhor. À luz destas certezas, o "sonho" de Jeremias permanece uma oportunidade histórica real, condicionada pela fidelidade dos homens, e sobretudo uma meta final, garantida pela fidelidade de Deus e já inaugurada pelo seu amor em Cristo.

Por conseguinte, ao ler este oráculo de Jeremias, devemos deixar ressoar em nós o Evangelho, a bonita notícia promulgada por Cristo, na sinagoga de Nazaré (cf. Lc 4,16-21). A vida cristã é chamada a ser uma verdadeira "alegria", que só pode ser ameaçada pelos nossos pecados. Ao fazer-nos recitar estas palavras de Jeremias, a Liturgia das Horas convida-nos a apoiar a nossa vida em Cristo, o nosso Redentor (cf. Jr 31,11), e a procurar nele o segredo da verdadeira alegria na nossa vida pessoal e comunitária.

Escola de formação shalom
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