terça-feira, 6 de agosto de 2013

Redescobrir a oração

A oração é um exercício fundamental na busca pela qualidade de vida. Nas indicações que não podem faltar, especialmente para a vida cristã, estão a prática e o cultivo disciplinado da oração. É um exercício que tem força incomparável em relação às diversas abordagens de autoajuda, como livros e DVDs, muito comuns na atualidade.

A crise existencial contemporânea, em particular na cultura ocidental, precisa redescobrir o caminho da oração para uma vida de qualidade. Equivocado é o entendimento que pensa a oração como prática exclusiva de devotos. A oração guarda uma dimensão essencial da vida cristã. Cultivar essa prática é um segredo fundamental para reconquistar a inteireza da própria vida e fecundar o sentido que a sustenta.

É muito oportuno incluir entre as diversificadas opiniões, junto aos variados assuntos discutidos cotidianamente, o que significa e o que se pode alcançar pelo caminho da oração. Perdê-la como força e não adotá-la como prática diária é abrir mão de uma alavanca com força para mover mundos. A fé cristã, por meio da teologia, tem por tradição abordar a importância da oração ao analisar a sua estrutura fundamental, seus elementos constitutivos, suas formas e os modos de sua experiência. Trata-se de uma importante ciência e de uma prática rica para fecundar a fé.

A oração tem propriedades para qualificar a vida pessoal, familiar, social e comunitária. Muitos podem desconhecer, mas a oração pode ser um laço irrenunciável com o compromisso ético. É prática dos devotos, mas também um estímulo à cidadania. Ao contrário de ser fuga das dificuldades, é clarividência e sabedoria, tão necessários no enfrentamento dos problemas. Na verdade, a oração faz brotar uma fonte interior de decisões, baseadas em valores com força qualitativa.

A oração como prática e como inquestionável demanda, no entanto, passa, por razões socioculturais, por uma crise. Aliás, uma crise numa cultura ocidental que nunca foi radicalmente orante. O secularismo e a mentalidade racionalista se confrontam com aspectos importantes da vida oracional, como a intercessão e a contemplação. Diante desse cenário, é importante sublinhar: paga-se um preço muito alto quando se configura o caminho existencial distante da dimensão transcendente. O distanciamento, o desconhecimento e a tendência de banir o divino como referencial produzem vazios que atingem frontalmente a existência.

É longo o caminho para acertar a compreensão e fazer com que todos percebam o horizonte rico e indispensável da oração. Faz falta a clareza de que existem situações e problemas que a política, a ciência e a técnica não podem oferecer soluções, como o sentido da vida e a experiência de uma felicidade duradoura. A oração é caminho singular. É, pois, indispensável aprender a orar e cultivar a disciplina diária da oração. Tratar-se de um caminhar em direção às raízes e ao essencial. Nesse caminho está um remédio indispensável para o mundo atual, que proporciona mais fraternidade e experiências de solidariedade.

A lógica dominante da sociedade contemporânea está na contramão dessa busca. Os mecanismos que regem o consumismo e a autossuficiência humana provocam mortes. Sozinho, o progresso tecnológico, tão necessário e admirável, produz ambiguidades fatais e inúmeras contradições. Orar desperta uma consciência própria de autenticidade. Impulsiona à experiência humilde do próprio limite e inspira a conversão. É recomendação cristã determinante dos rumos da vida e de sua qualidade. A Igreja Católica tem verdadeiros tesouros, na forma de tratados, de estudos, de reflexões, e de indicações para o cultivo da oração, que remetem à origem do cristianismo, quando os próprios discípulos pediram a Jesus: “Ensina-nos a orar”. É uma tarefa missionária essencial na fé, uma aprendizagem necessária, um cultivo para novas respostas na qualificação pessoal e do tecido cultural sustentador da vida em sociedade.

Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte – MG

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segunda-feira, 5 de agosto de 2013

A obra de Deus é crer naquele que ele enviou


Cristo é o objeto específico e primário do crer segundo João. «Crer», sem outra especificação, significa já crer em Cristo. Pode também significar crer em Deus, mas enquanto é o Deus que mandou seu Filho ao mundo. Jesus se volta a pessoas que crêem já no verdadeiro Deus; toda a insistência sobre a fé traz já esta coisa nova, que é a sua vinda no mundo, o seu falar em nome de Deus. Em uma palavra, o seu ser o Filho unigênito de Deus, «uma coisa só com o Pai». 

João fez da divindade de Cristo e de sua filiação divina o objeto primário de seu evangelho, o tema que tudo unifica. Ele conclui seu Evangelho dizendo: «Estes [sinais] foram escritos para crerdes que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e para que, crendo, tenhais a vida em seu nome» (Jo 20, 31), e conclui sua Primeira carta quase com as mesmas palavras: «Isto vos escrevo para saberdes que tendes a vida eterna, vós que credes no nome do Filho de Deus» (1 Jo 5, 13). 

Uma rápida passada pelo Quarto evangelho mostra como a fé na origem divina de Cristo constitui, por sua vez, seu tear e trama. Crer naquele que o Pai enviou é visto como «obra de Deus», o que agrada a Deus, absolutamente (cf. Jo 6, 29). Não crer é visto, consequentemente, como «o pecado» por excelência: «O consolador – foi dito – convencerá o mundo quanto ao pecado», e o pecado é não haver acreditado nele (Jo 16, 8-9). Jesus pede para si o mesmo tipo de fé que se pedia para Deus no Antigo Testamento: «Credes em Deus, crede também em mim» (Jo 14, 1). 

Também depois de sua partida, a fé nele restará como grande separador de águas no seio da humanidade: de um lado estarão aqueles que, sem haver visto, crerão (cf. Jo 20,29), e do outro lado estará o mundo que rejeitará crer. Diante desta distinção, todas as outras, conhecidas primeiramente, incluída aquela entre judeus e gentios, passam a um segundo plano. 

Há que se permanecer estupefato diante da empreitada que o Espírito de Jesus permitiu a João levar a termo. Ele abraçou os temas, os símbolos, as expectativas, tudo isto que havia de religiosamente vivo, seja no mundo judaico como no helenístico, fazendo servir tudo isto a uma única ideia, ou melhor, a uma única pessoa: Jesus Cristo Filho de Deus, salvador do mundo. 

Ao ler os livros de certos estudiosos, dependentes da «Escola de história comparada das religiões», o mistério cristão apresentado por João não se distingue senão em coisas de pouca importância do mito religioso gnóstico e mandeu, ou da filosofia religiosa helenística e hermética. Os limites se perdem, os paralelismos se multiplicam. A fé cristã converte-se em uma das variantes desta mitologia variada e desta religiosidade difusa. 

Mas o que significa isto? Significa somente que se prescinde da coisa essencial: da vida e da força histórica que está por detrás dos sistemas e das representações. As pessoas vivas são diversas umas das outras, mas os esqueletos se assemelham todos. Uma vez reduzido a esqueleto, isolado da vida que produziu, isto é, da Igreja e dos santos, a mensagem cristã corre o risco de sempre se confundir com outras propostas religiosas, enquanto isso é «inconfundível». 

João não nos deixou um conjunto de doutrinas religiosas antigas, mas um potente kerygma. Aprendeu a língua dos homens de seu tempo, para gritar nela, com todas suas forças, a única verdade que salva, a Palavra por excelência, «o Verbo». 

Uma empreitada como esta não se realiza no escritório. A síntese joanina da fé em Cristo é colocada “no foco”, sob o influxo daquela unção do Espírito Santo que ensina toda coisa», da qual ele mesmo, certamente por experiência pessoal, fala na Primeira Carta (cf. 1 Jo 2, 20.27). Justamente por causa desta sua origem, o Evangelho de João, também hoje, não se compreende estudando em um escritório, com quatro ou cinco dicionários abertos em frente para consultar. 

Só uma certeza revelada, que tem dentro de si a autoridade e a própria força de Deus, pode desdobrar-se em um livro com tal insistência e coerência, chegando, de milhares de pontos diversos, sempre à mesma conclusão: Jesus de Nazaré é o Filho de Deus e o salvador do mundo. 

Fonte: Frei Raniero Catalamessa - See more at: http://www.comshalom.org/formacao/exibir.php?form_id=2816#sthash.EkH82Mjv.dpuf
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