sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

Retiro Quaresmal - Sexta-feira da I semana

Sobretudo as sexta-feiras quaresmais são dias de meditação sobre a Paixão do Salvador. 

Hoje lhe proponho uma meditação sobre o sangue de Cristo nosso Senhor. Contemplemos o Salvador no mistério da Sua cruz: ali, na cruz, todo o Seu sangue Ele derramou por nós e pelo mundo inteiro!
Tantas vezes já escutamos falar do sangue de Jesus e do seu poder salvador!


A Primeira Epístola de São João afirma claramente que “o sangue de Jesus nos purifica de todo pecado” (1,7) e a Primeira Epístola de São Pedro ensina claramente que “fostes resgatados da vida fútil que herdastes dos vossos pais pelo sangue de Cristo, como de um cordeiro sem defeitos” (1,19).
Em suma, é doutrina do Novo Testamento todo, é fé da Igreja que pelo sangue de Cristo fomos salvos e libertos. Saudando o Cristo morto e ressuscitado, o Apocalipse assim se exprime:
“Foste imolado e, por Teu sangue, resgataste para Deus homens de toda tribo, língua, povo e nação” (5,9).

Mas, por que esta verdadeira fixação no sangue? Por que a sua importância? Não parece algo mágico, que um líquido biológico possa salvar, dando vida à humanidade? Não estamos diante de algo repulsivo à razão humana, algo meio ridículo e primitivo, próprio de uma religião tribal, inaceitável e incompreensível para nós hoje? Não estaríamos ainda às voltas com a imagem de um deus sádico, mau, vingativo, que provoca o sofrimento e somente se compraz e se sacia com sangue, com vingança? São perguntas sérias, que podem colocar em xeque a seriedade do cristianismo. Para compreendermos tudo isto, é necessário primeiro entender o que significa o sangue na Sagrada Escritura, de modo particular no Antigo Testamento.
O Pentateuco explica: A vida da carne está no sangue. E este sangue Eu vo-lo tenho dado para fazer o rito de expiação sobre o altar, pelas vossas vidas; pois é o sangue que faz expiação pela vida” (Lv 17,11).

Compreendamos: Deus é vida e a vida do homem é estar em comunhão com Deus, aberto a Ele, amando-O e buscando na vida concreta a Sua santa vontade.
Quando o homem peca, rebela-se contra Deus, fecha-se para Ele. Na raiz de todo pecado está a ilusão de que a vida é nossa e podemos fazer dela aquilo que queremos.
Ora, quando o homem peca, afastando-se de Deus, ele perde o sentido da vida, perde a vida, cai numa situação de morte. Claro que, aqui, não se trata de uma morte física, mas da morte da alma, morte porque a vida perde o sentido e, passando pela morte física, pode resultar na morte eterna, que é a perda de Deus para sempre. Por isso mesmo, nos ritos do antigo Israel, o pecado somente poderia ser remido com um sacrifício no qual o sangue (a vida) da vítima fosse derramado: “Segundo a Lei, quase todas as coisas se purificam com sangue; e sem efusão de sangue não há remissão” (Hb 9,22).
E o autor sagrado afirma também: “Nem mesmo a primeira aliança foi inaugurada sem efusão de sangue” (Hb 9,18). Quando o pecador oferecia um animal como vítima pelo pecado, estava reconhecendo (1) o seu pecado, (2) o senhorio absoluto de Deus sobre toda a sua vida, (3) e que seu pecado leva a uma situação de morte, representada na morte da vítima, que tinha seu sangue derramado. É como se a vítima substituísse o pecador que, pecando, afastou-se do Deus da vida e aproximou-se da morte. Podemos afirmar, então, que o sangue derramado significa a vida doada, a vida perdida, a vida tirada... Não esqueçamos: “A vida da carne (a vida de todo ser vivente) está no sangue” (Lv 17,11): perder este é perder aquela!

Mas, há um problema sério com esses sacrifícios: os animais oferecidos como vítimas não tinham nenhuma consciência do que estava acontecendo, não podiam oferecer sua própria vida como um ato de amor e louvor a Deus. Eles apenas representavam o pecador e eram oferecidos no lugar dele. Por isso, a Escritura constata que “é impossível que o sangue de touros e bodes elimine os pecados” (Hb 10,4). Agora, vamos a Jesus.
Toda a Sua vida, desde momento da Encarnação, foi um ato de amor e obediência ao Pai em nosso favor:

“Tu não quiseste sacrifício e oferenda. Tu, porém, formaste-Me um corpo. Holocausto e sacrifício pelo pecado não foram do Teu agrado. Por isso Eu digo: Eis-Me aqui! Eu vim, ó Deus, para fazer a Tua vontade!” (Hb 10,5-7).

O Filho eterno fez-Se homem para gastar toda a Sua vida fazendo a vontade do Pai. E esta vontade é salvar a humanidade, dando-lhe a Vida eterna (cf. Jo 6,37-39). Assim, Jesus foi derramando Sua vida, num amor infinito ao Pai por nós: na pobreza de Belém, na vida miúda de Nazaré, nas andanças pelas estradas da Galiléia, nas curas, ensinamentos, nas contradições, nas noites inteiras em oração ao Pai... Jesus foi Se dando, Se gastando, como uma vida vivida para Deus em benefício da humanidade. Esta doação de toda uma existência, chegou ao máximo na cruz.
O sangue que Ele iria derramar até a morte nada mais é que o símbolo de uma vida – a vida do Filho de Deus feito homem – entregue em favor da humanidade!
O sangue derramado significa, então, a vida dada amorosamente em nosso favor, como vítima de reparação pelo nosso pecado. Porque o homem pecou e caiu numa triste situação de perdição, de desencontro, desaprumo e morte, o Filho de Deus deu sua vida até a morte para da morte nos arrancar: Isto é o Meu sangue, o sangue da Aliança, que é derramado por muitos para a remissão dos pecados” (Mt 26,28). Cristo Jesus, dando sua vida em total obediência amorosa ao Pai por nós, apaga o nosso pecado, restitui-nos a vida e faz de nós um povo nascido de uma nova aliança com Deus no Seu sangue.

Dizer que o sangue de Cristo nos salva é dizer com Sua vida dada em obediência amorosa ao Pai nos alcançou a salvação: “Eis que Eu vim, ó Deus, para fazer a Tua vontade. – é graças a esta vontade que nós somos santificados pela oferenda do corpo de Jesus Cristo” (Hb 10,8.10). Olhar o sangue de Jesus, ser banhado no sangue de Jesus, beber o sangue de Jesus, significa unir-se a Jesus, fazendo da nossa vida uma participação na Sua entrega de toda a existência ao Pai. Por isso mesmo são Pedro que nós participamos da “bênção da aspersão do Seu sangue” (1Pd 1,2).
Então, olhemos o Cristo que Se gastou, que Se derramou amorosamente a vida toda até a cruz; sejamos-Lhe gratos porque Seu sangue, Sua vida derramado por amor nos salvou.

Como cristãos, somos unidos a ele pelo Batismo e a Eucaristia, para fazer de nossa vida uma entrega com Ele, por Ele e como Ele. Assim viveremos uma vida nova já agora, vida liberta da morte e que será ressurreição para a Vida eterna.
“Àquele que nos ama, e que nos lavou de nossos pecados com o Seu sangue, e fez de nós uma Realeza e Sacerdotes para Deus, Seu Pai, a Ele pertencem a glória e o domínio pelos séculos dos séculos. Amém. (Ap 1,5s).
Reze o Salmo 39/40

É o Salmo que o Senhor rezou ao Se encarnar e resume toda a Sua existência humana. Una seus sentimentos aos do Cristo Jesus.

Dom Henrique Soares da Costa
BISPO DE PALMARES
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quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

Retiro quaresmal - Quinta-feira da I semana

Escute esta exortação:

"Expia teus pecados e injustiça com esmolas e obras de misericórdia em favor dos pobres; assim terás longa prosperidade" (Dn 4,24b).

Assim, entramos noutro tema próprio deste sagrado tempo: a esmola.
Não restrinjamos a esmola ao dar uma ajuda material a algum necessitado. É esmola qualquer obra de misericórdia. A tradição da Igreja as sistematiza em quatorze.

Sete delas são chamadas corporais:
Dar de comer a quem tem fome;
Dar de beber a quem tem sede;
Vestir os nus;
Dar abrigo aos peregrinos;
Assistir aos enfermos;
Visitar os presos;
Enterrar os mortos.

As sete outras são chamadas espirituais:
instruir;
aconselhar,
consolar,
confortar,
perdoar,
suportar com paciência,
rezar pelos vivos e pelos mortos.

Alarguemos ainda mais: esmola é todo bem, toda abertura, todo gesto de amor e serviço e cuidado em relação aos próximos; esmola é qualquer aproximação dos distantes para ajudá-los por amor de Cristo.

A Palavra de Deus nos exorta, portanto, a que saiamos de nós e vamos em direção aos outros para ajudá-los. E isto por amor de Cristo, que veio em nossa ajuda, fazendo-Se homem por nós, por nós tomando a condição humana, fazendo-Se servo da nossa salvação: "Conheceis o exemplo de Jesus Cristo que sendo rico, Se fez pobre para nos enriquecer com a sua pobreza!" (2Cor 8,9)
Portanto, neste dia quaresmal, diante do Senhor, perguntemo-nos pela realidade e pela qualidade da nossa relação com os irmãos: em casa, no trabalho ou na escola, na sociedade em geral, no círculo de amizade e conhecimento...

Sair em direção ao outro, para um cristão, não deveria ser simplesmente questão de simpatia ou conveniência, mas realmente um sair de si, um esquecer-se dos próprios interesses para fazer o bem a outros...

E qual a motivação: o amor de Cristo: "A Mim o fizestes!"

O texto de Daniel, acima citado, fala em expiar os pecados com a esmola e em ter prosperidade... Compreendamos bem!

Expiar os pecados. A esmola por amor de Cristo abre o meu coração para o irmão, que é imagem viva de Deus. Servindo o irmão desinteressadamente é ao  Senhor que estarei servindo. Saindo de mim em direção aos outros por amor ao Senhor, vou curando meu fechamento, pondo medicina no meu egoísmo, vou aprendendo a não me colocar no centro de tudo. Assim, abrindo-me, vou deixando Deus entrar na minha vida e vou pondo remédio à minha pecaminosa tendência ao fechamento em mim mesmo, tudo colocando a meu serviço.
A esmola me corrige, a esmola torna o meu amor concreto, efetivo, a esmola mostra a veracidade da minha fé no Senhor. Mais: a esmola, pelo trabalho de sair de mim mesmo, expia, corrige, o meu pecaminoso egoísmo! Por isso elástica os pecados, põe neles remédio!

Ter longa prosperidade. Aqui não temos nada a ver com a maldita, pagã, satânica e mentirosa teologia da prosperidade, que é serviço ao deus Mamon, Príncipe deste mundo.
A verdadeira prosperidade é uma vida na sabedoria, isto é, uma vida vivida segundo o Senhor Deus e, portanto, vida no Shalom, na paz verdadeira, que somente o Senhor pode dar - e não a dá como o mundo dá!
Shalom: paz, prosperidade de uma existência sadia, realizada, é a harmonia, a comunhão com o Senhor Deus que gera harmonia interior consigo mesmo, comunhão com os outros e com toda a criação. Eis uma vida próspera na perspectiva de Deus: uma vida cheia de sentido, uma vida vivida na perspectiva da Eternidade.
A esmola, abrindo-nos para os outros por amor de Deus, traz-nos maturidade, capacidade de comunhão com o Senhor é com todas as Suas criaturas.

Pense nestas realidades.
Reze o Salmo 39/40

Dom Henrique Soares da Costa
BISPO DE PALMARES
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terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

Retiro quaresmal - Quarta-feira da I semana

Naquele tempo, disse Jesus aos Seus discípulos: 7“Quando orardes, não useis muitas palavras, como fazem os pagãos. Eles pensam que serão ouvidos por força das muitas palavras.
8Não sejais como eles, pois vosso Pai sabe do que precisais, muito antes que vós o peçais. 9Vós deveis rezar assim: Pai nosso que estás nos céus, santificado seja o Teu Nome; 10venha o Teu Reino; seja feita a Tua vontade, assim na terra como nos céus. 11O pão nosso de cada dia dá-nos hoje. 12Perdoa as nossas ofensas, assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido, 13e não nos deixes cair em tentação, mas livra-nos do mal.
14De fato, se vós perdoardes aos homens as faltas que eles cometeram, vosso Pai que está nos céus também vos perdoará. 15Mas, se vós não perdoardes aos homens, vosso Pai também não perdoará as faltas que vós cometestes” (Mt 6,7-15).

A oração é uma das observâncias do santo tempo da Quaresma.
Quantas vezes, nos santos evangelhos, o Senhor não manda rezar!
Pois eu lhe digo, caro Irmão:

Quem reza se salva,
Quem não reza é ateu!

Quem reza se salva porque a oração nos abre para o Senhor Deus. Quem reza experimenta de verdade que Deus é o Tudo da sua vida. A oração vai nos fazendo perceber que o Senhor não é algo, mas Alguém, pessoal, amoroso, concreto, atuante!
Assim, a oração nos salva do fechamento para o Senhor Deus, tira-nos da ilusão de pensar que nós nos bastamos e que a vida é nossa e dela fazemos o que bem quisermos...
Quem reza se salva porque se salva de si próprio!

Quem não reza é ateu!
Mesmo que diga que crê, vive, na prática, como se Deus não existisse, pois vive se colocando como centro, fazendo sua própria vontade.
Quem não reza vai, pouco a pouco, criando uma ilusão, a ilusão de ser seu próprio Deus!

Por isso mesmo, ao nos ensinar a rezar, o Senhor nos faz primeiro que tudo entrar na Sua relação de amor e intimidade, de abertura e confiança em relação ao Seu Deus: dá-nos a graça de chamar a Deus com a mesma intimidade, com a qual Ele O chama: Pai, Papai 
Em Jesus, esta expressão significa total entrega nas mãos benditas do Deus Santo! 
Portanto, para um cristão, rezar é primeiramente ser totalmente aberto para o Senhor, em total atitude filial, em Jesus é como Jesus.

Por outro lado, esse Pai tão próximo não é nosso parceiro, não é nosso amiguinho: Ele é o Santo, o totalmente Outro: estás nos céus!
Por isso a súplica: que o Teu Nome seja santificado na minha vida, que eu, com minha pobre vida Te santifique, honrando-Te, dando Glória ao Teu Nome!
É como posso fazer isto? Fazendo a Tua santa vontade sempre é em tudo!

Quando santificamos o santo Nome do Senhor, quando vivemos na Sua santa vontade, então o Seu Reino torna-se presente em nós e, através de nós, no mundo!

Assim, caro Irmão, neste dia de Quaresma, sugiro que você se pergunte por sua vida de oração:

- tem realmente dedicado tempo para o Senhor?
- sua oração tem sido abertura para o Senhor Deus?
- você tem deixado que Deus seja Deus na sua vida?
- quem é o Senhor, quem é o critério da sua existência: Deus ou você mesmo?
- sua oração tem sido real procura de escutar o Senhor é fazer Sua santa vontade?
- sua oração influencia a sua vida?
- em que você precisa melhorar na vida de oração?

Pense nisto!
Reze o Salmo 4

Dom Henrique Soares da Costa
BISPO DE PALMARES
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Retiro Quaresmal - Terça-feira da I Semana da Quaresma

"Pela misericórdia de Deus, eu vos exorto, irmãos, a vos oferecerdes em sacrifício vivo, santo e agradável a Deus: Este é o vosso culto racional.
Não vos conformeis com o mundo, mas transformai-vos, renovando vossa maneira de pensar e de julgar, para que possais distinguir o que é da vontade de Deus, isto é, o que é bom, o que Lhe agrada, o que é perfeito" (Rm 12,1-2).

Eis aqui um texto que calha muito bem neste início de caminho quaresmal! Trata-se de um apelo que engloba e compromete toda a existência cristã...

"Pela misericórdia de Deus", começa o Apóstolo...
Veja, Irmão, que a misericórdia do Senhor não justifica malandragem espiritual, não serve para encobrir comodismo, não acoberta a permanência num estado de pecado! Antes, a misericórdia do Senhor compromete, exige: "O amor de Cristo nos impele", nos compromete a aderir verdadeiramente à Sua santa vontade!

Pela misericórdia de Deus, porque Ele Se revelou tão compassivo, tão amável, tão disposto ao perdão, tão desejoso de caminhar convosco, "eu vos exorto"!
Atenção, que pela boca do Seu Apóstolo, o Senhor mesmo nos exorta, nos ordens, nos impele!

Qual é a exortação? Do que se trata?
"Eu vos exorto a vos oferecerdes em sacrifício vivo, santo e agradável a Deus!" Oferecer-se em sacrifício, isto é, fazer de si próprio um sacrum-facere, um fazer sagrado, uma entrega santa, uma oferta sagrada a Deus!
O Senhor nosso Deus não quer primeiro nossos bens, nosso fazer, nossas obras! O primeiro e essencial que Ele pede de nós é nossa própria vida, nosso afeto, nosso coração, em uma palavra: Ele nos quer totalmente, Ele quer nosso amor, Ele quer a nossa vida! Nunca esqueça: o nosso Deus é o Deus das primícias, Deus ciumento, que não aceita suborno!

"... vós oferecerdes em sacrifício..." Como não recordar Aquele que Se ofereceu a Si mesmo ao Pai por toda a humanidade? Nosso sacrifício é vivo porque é sacrifício da nossa vida, é sacrifício de nós mesmos e, por isso, nos custa tanto! Mas, além de vivo é santo, porque é imitação e participação no sacrifício de Cristo Jesus! E, por isso mesmo, é agradável a Deus, o Pai.

Pense um pouco: fazer de você, de toda a sua vida uma oferta ao Senhor, com Cristo, como Cristo e por Cristo! Não é pouco! É demais! Custa! É viver não para si, mas para o Senhor; é ter como centro, como critério não a você mesmo, mas o Deus Santo e a Sua vontade; é dizer com Jesus é como Jesus: "Eu venho, ó Pai, para fazer a Tua vontade!"

Insisto, meu Irmão querido no Senhor: o Senhor Deus que por você entregou Seu próprio Filho, espera que você faça da sua existência inteira uma entrega sacrifical a Ele: Cristo, "um só, morreu por todos, para os que vivem já não vivam para si mesmos, mas para Aquele que por eles morreu e ressuscitou!"

Tenho eu esta coragem, de viver e morrer para o Cristo de Deus? Tem você esta coragem? Viver assim, até dizer com toda verdade: "Para mim, viver é Cristo"? É este, precisamente, o culto que Deus deseja de nós, de você: uma vida inteira feita sacrifício, fazer sagrado!

"Este é o vosso culto racional", isto é, um culto consciente, livre, feito entrega, às vezes tão dolorosa, tão custosa, de toda a nossa vida! Tudo bem diferente das vítimas irracionais oferecidas nos sacrifícios judaicos! Exatamente porque "culto racional", "lógico", é tão custoso é tão preciso. Afinal, é livre de verdade quem, livre e conscientemente, oferece a Deus a sua liberdade, tornando-se livre de si mesmo, livre de sua auto-escravidão!

Quem vive assim, vive em êxodo, saindo de si mesmo, de seu modo de ver e de suas vontades, migrando sempre em direção do modo de pensar de Deus e da Sua santa vontade! Por isso, o Apóstolo continua, na sua exortação: "Não vos conformeis com o mundo!" Con-formar, tomar a forma! Não tomeis a forma do mundo: não tenhais o modo de pensar, de falar, de fazer, de viver do mundo! Ah, como é difícil: vivemos no mundo, nascemos neste mundo, convivemos neste mundo... E o Senhor nos manda que não nos conformemos com ele!

Então, a quem devemos nos conformar? A Cristo Jesus, o homem perfeito! Por isso mesmo, a Escritura ordena: "Tende em vós os mesmos sentimentos do Cristo Jesus!" Con-formados a Cristo, Cristo formado em nós! Que sonho! Que luta! Sair de mim do meu jeito é ir para mim do jeito de Cristo! "Transformai-vos, renovando vossa maneira de pensar e de julgar!"

Peça, Irmão, está graça! É a maior da vida! Já pensou: ter uma existência toda cristiforme, toda conformada a Cristo, por Ele plasmada?
Quem vive assim alcança a sabedoria divina, pois vê e julga tudo segundo o Coração de Deus; vive, pois, na verdade: "... para que possais distinguir o que é da vontade de Deus, isto é, o que é bom, o que Lhe agrada, o que é perfeito".

Mas, para chegar a este estado de perfeição, é necessário primeiro o combate espiritual, que me faz ir domando minha vontade é meus instintos e, assim, iluminando em Cristo meu entendimento, minha razão, meus sentimentos... Mas, além do combate, é indispensável o socorro dos sacramentos, que me dão o Espírito de Cristo como vida, como força, como amor que se Imola, como perdão e cura, como santificação!

Está aí o tanto de caminho quaresmal!
Pense nestas coisas! Olhe a sua vida!
Suplique ao Senhor que o renove, que lhe dê coragem e força para combater o que precisar ser combatido e mudar o que necessitar ser mudado!
Que a santa Páscoa nos encontre menos conformes ao mundo é mais conformes ao homem perfeito, Jesus, nosso Senhor, para a glória do Pai!

Reze o Salmo 17/18
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segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

Retiro Quaresmal – Segunda-feira da I Semana

Tomemos a leitura da Missa de hoje:

1O Senhor falou a Moisés, dizendo: 2“Fala a toda a Comunidade dos filhos de Israel, e dize-lhes: Sede santos, porque Eu, o Senhor vosso Deus, sou Santo.
11Não furteis, não digais mentiras, nem vos enganeis uns aos outros. 12Não jureis falso por Meu Nome, profanando o Nome do Senhor teu Deus. Eu sou o Senhor.
13Não explores o teu próximo nem pratiques extorsão contra ele. Não retenhas contigo a diária do assalariado até o dia seguinte. 14Não amaldiçoes o surdo, nem ponhas tropeço diante do cego, mas temerás o teu Deus. Eu sou o Senhor. 15Não cometas injustiças no exercício da justiça; não favoreças o pobre nem prestigieis o poderoso. Julga teu próximo conforme a justiça.
16Não sejas um maldizente entre o teu povo. Não conspires, caluniando-o, contra a vida do teu próximo. Eu sou o Senhor. 17Não tenhas no coração ódio contra teu irmão. Repreende o teu próximo, para não te tornares culpado de pecado por causa dele.
18Não procures vingança, nem guardes rancor aos teus compatriotas. Amarás o teu próximo como a ti mesmo. Eu sou o Senhor” (Lv 19,1-2.11-18).

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Observe, caro Irmão, a insistência deste texto sobre o monoteísmo radical da fé de Israel: “Eu sou o Senhor!” Quatro vezes aparece esta solene exclamação neste breve trecho!
“Eu sou o Senhor!” exprime a grandeza do Senhor Deus, expressa Seu absoluto senhorio sobre Israel como um todo e sobre a vida de cada membro do povo da aliança. “Eu sou o Senhor!” exprime a unicidade absoluta do Deus vivo e santo: só Ele é Deus, para além Dele não há Deus, nada é Deus além Dele!

Assim, neste primeiro momento, convido-o a escutar com o coração a solene declaração do Eterno: “Eu sou o Senhor!”

Você vive, realmente, sua vida centrado no Senhor, Nele alicerçado? Ele é realmente o seu Senhor? Para saber se Ele é o seu Deus, observe se não outros senhores, que dominam sua existência, suas ações, seu modo de viver...

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Agora, num segundo momento, escute ainda o Senhor: “Eu, o Senhor vosso Deus, sou Santo!”
Santo, kadosh, isto é, o que é único, além de tudo, o que não tem comparação, o que é totalmente diferente de tudo quanto se possa imaginar, o Imenso, o Infinito, o Incomensurável, o Incompreensível, o que é o Outro e, por isso mesmo, absolutamente livre, absolutamente reto, absolutamente fiel a Si próprio: “Eu sou o que sou!”

Pare ainda diante do Senhor! Deixe-se tocar pelo sentimento da Sua presença, da Sua soberania, da Sua santidade única, incomparável, incompreensível!
Basta repetir calmamente diante Dele: Tu és o Santo, Tu és o Senhor, Tu és o Único! Tu és o meu Deus!”
Repita calmamente, deixando que o Espírito do Senhor, que ora nos cristãos, encha da Sua doce e forte presença essas palavras...

Reze o Salmo 98/99: aí três vezes se exclama: “Santo é o Senhor!”
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Demos um passo a mais: o Deus que é Único, absolutamente Único, o Deus que é Santo, totalmente Santo, ordena-nos: “Sede santos, porque Eu, o Senhor vosso Deus, sou Santo!”
Como é possível isto? Nunca poderemos ser santos na medida do Eterno; mas, podemos participar da santidade Dele: “Sede santos na Minha santidade! Sede santos, participando da Minha santidade, acolhendo na vossa vida a santidade que brota de Mim e que Eu derramo em vós!” – eis o sentido deste preceito, desta exortação, deste desafio!

Nós, cristãos, sabemos que a Santidade pessoal de Deus é o Seu Espírito, chamado “Santo” por antonomásia: Ele é o Santificador, o Santificante! É o Espírito que o “Pai Santo” derramou sobre o Filho Jesus na Sua ressurreição, e Jesus no-Lo dá nos sacramentos para nos santificar da santidade de Deus!
Somente no Espírito podemos ser santificados, pois é o Espírito Quem nos faz agir com o sentimentos de Cristo e as atitudes de Cristo. É no Espírito que podemos cumprir o preceito do Senhor Deus de Israel: “Sede santos, porque Eu, o Senhor vosso Deus, sou Santo!”

Suplique, portanto:
“Senhor Jesus, derrama novamente no meu coração, no coração da minha vida, o Teu Espírito santificador!
Onde está o Espírito que recebeste do Pai e sobre nós derramaste, aí está a Vida do Pai, a Santidade do Pai, a Energia do Pai, a Glória do Pai! Tudo isto recebeste do Pai na Tua santíssima humanidade quando da ressurreição; recebeste e derramaste e derramas sobre nós nos santos sacramentos que instituíste!
Unge-nos, ó Cristo-Ungido,
Unge-nos com a unção que é o Teu Santo Espírito santificador,
para que nós sejamos santificados e vivamos santamente,
ó Tu que vives e reinas para sempre
e de Eternidade em Eternidade és Deus com o Pai e o Santo Espírito. Amém.

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Agora, um último passo.
Essa comovente e absoluta unicidade do Senhor e Sua santidade, nós a acolhemos e proclamamos quando, com santo temor e tremor, honramos a imagem sagrada do Deus Santo!
Que imagem é esta? O próximo, sobretudo o mais necessitado!
O próximo é Adão – bicho frágil, feito da terra, da adamah!
Mas, ele, tão frágil, traz em si o sopro do Eterno: ele é imagem do Deus Único e Santo!
Crês que o Senhor é Único, que Ele é o teu Senhor?
Não furtes, não mintas ao próximo, não enganes, não roubes o teu irmão!
Confessas de todo o coração que o Senhor é Santo?
Então, mostra isto na tua vida, com teus atos: não pratiques extorsão contra o teu próximo, não amaldiçoes o surdo, que não ouve e não pode te responder; não ponhas tropeços ao cego, que não enxerga e não pode se livrar; não sejas injusto com o teu próximo, não o calunies, não o difames, não alimente nunca e sob pretexto algum ódio e malquerer contra o teu próximo!

Que coisa impressionante: o Deus verdadeiro somente pode ser honrado verdadeiramente quando honramos a Sua imagem: o homem criado por Ele! Atenção: não somente os irmãos em Cristo, mas todo e cada ser humano, pelo simples fato de ser humano, imagem de Deus!

Pense nisto e faça um sério exame de consciência sobre o modo como você tem tratado as pessoas... Você as honra como imagem do Deus único e santo ou, ao invés, procura as utilizar como objetos, usá-las em seu proveito ou descartá-las e desprezá-las porque não lhe são úteis?


São coisas a serem pensadas com muita seriedade!

Dom Henrique Soares da Costa
BISPO DE PALMARES
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quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

As cinzas desta Quarta-feira

Hoje a Igreja, Povo de Deus do Novo Testamento, inicia seu caminho para a maior de todas as festas cristãs, a Santa Páscoa. O rito das cinzas marca o início deste caminho.
Qual o seu significado?
Recebermos as cinzas numa Missa penitencial, cujas leituras nos recordam que somos pecadores e necessitamos da paciência misericordiosa e do perdão do Senhor; as orações da sagrada Liturgia de hoje suplicam ao Senhor que acolha nosso jejum e abstinência como gesto de boa vontade e humilde reconhecimento de nossa fraqueza.
Assim, as cinzas têm um caráter penitencial. Recebemo-las com os seguintes sentimentos:
(1) Reconhecemos que, apesar de cristãos renovados em Cristo pelo Batismo, temos em nós ainda a experiência do pecado, das infidelidades grandes e pequenas do dia-a-dia. Reconhecemos que somos convertidos e necessitados de contínua conversão. Reconhecemos também que temos nossos vícios, isto é, nossas más tendências que precisam ser continuamente combatidas.
(2) Por isso mesmo, recebemos as cinzas, que na Escritura têm o sentido de humilhação, dor, reconhecimento da própria miséria, luto. Com isto queremos dizer que reconhecemos nosso pecado e desejamos entrar no caminho quaresmal de combate espiritual, que nos conduzirá a uma renovada vivência do nosso compromisso de batizados. Utilizando as armas do combate espiritual, a oração, a penitência e a esmola, poderemos abrir o coração para o Pai, como Jesus, cheio do Espírito Santo. Então, celebraremos na verdade a Santa Páscoa e renovaremos na sagrada Vigília Pascal as promessas do nosso Batismo.
Portanto, com um espírito contrito, humilhado e cheio de confiança no Senhor, recebamos as cinzas, lembrando-nos das duas exortações que a Igreja faz:
“Lembra-te que és pó e ao pó hás de tornar!” Ou seja: a vida não é tua; tu vieste do pó, de lá foste retirado por Deus. Tu deverás viver diante de Deus e um dia a Ele prestarás conta da tua vida! Vive na amizade obediente para com o Senhor teu Deus para que tua vida não termine no pó, no vazio do nada!
E a segunda exortação: “Convertei-vos e crede no Evangelho!” Em outras palavras: muda de vida! Crê de verdade nesta Boa Notícia: em Jesus, Deus tira-te do pó para te dar a glória de uma vida nova neste mundo e por toda a eternidade!

Dom Henrique Soares
Bispo da Diocese de Palmares
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terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

sábado, 14 de fevereiro de 2015

A Paixão de Jesus Cristo e os divertimentos do carnaval

Consummabuntur omnia, quae scripta sunt per prophetas de filio hominis — “Será cumprido tudo o que está escrito pelos profetas, tocante ao Filho do homem” (Luc. 18, 31).

Sumário. Não é sem uma razão mística que a Igreja propõe hoje à nossa meditação Jesus Cristo predizendo a sua dolorosa Paixão. A nossa boa Mãe deseja que nós, seus filhos, nos unamos a ela, para compadecermos do seu divino Esposo, e o consolarmos com os nossos obséquios, ao passo que os pecadores, nestes dias mais do que em outros tempos, lhe renovam todos os ultrajes descritos no Evangelho. Quer ela também que roguemos pela conversão de tantos infelizes, nossos irmãos. Não temos por ventura bastantes motivos para isso?

I. Não é sem razão mística que a Igreja propõe hoje à nossa meditação Jesus Cristo predizendo a sua dolorosa Paixão. Deseja a nossa boa Mãe que nós, seus filhos, nos unamos a ela na compaixão de seu divino Esposo, e o consolemos com os nossos obséquios; porquanto os pecadores, nestes dias mais do que em outros tempos, lhe renovam os ultrajes descritos no Evangelho.

Tradetur gentibus — “Ele vai ser entregue aos gentios”. Nestes tristes dias os cristãos, e quiçá entre eles alguns dos mais favorecidos, trairão, como Judas, o seu divino Mestre e o entregarão nas mãos do demônio. Eles o trairão, já não às ocultas, senão nas praças e vias públicas, fazendo ostentação de sua traição! Eles o trairão, não por trinta dinheiros, mas por coisas mais vis ainda: pela satisfação de uma paixão, por um torpe prazer, por um divertimento momentâneo!

Illudetur, flagellabitur et conspuetur — “Ele será mortejado, flagelado e coberto de escarros”. Uma das baixezas mais infames que Jesus Cristo sofreu em sua Paixão, foi que os soldados lhe vendaram os olhos e, como se ele nada visse, o cobriram de escarros, e lhe deram bofetadas, dizendo: Profetiza agora, Cristo, quem te bateu? Ah, meu Senhor! Quantas vezes esses mesmos ignominiosos tormentos não Vos são de novo infligidos nestes dias de extravagância diabólica? Pessoas que se cobrem o rosto com uma máscara, como se Deus assim não pudesse reconhecê-las, não têm pejo de vomitar em qualquer parte palavras obscenas, cantigas licenciosas, até blasfêmias execráveis contra Santo Nome de Deus! — Et postquam flagellaverint, occident eum — “Depois de o terem açoitado, o farão morrer”. Sim, pois se, segundo a palavra do Apóstolo, cada pecado é uma renovação da crucifixão do Filho de Deus, ah! Nestes dias Jesus será crucificado centenas e milhares de vezes.

É exatamente isto que Jesus Cristo quis dizer a Santa Gertrudes aparecendo-lhe num domingo de Qüinquagésima, todo coberto de sangue, com as carnes rasgadas, na atitude do Ecce Homo, e com dois algozes ao lado, os quais lhe apertavam a coroa de espinhos e o batiam sem piedade. Ah! Meu pobre Senhor!

II. Refere o Evangelho em seguida, que, aproximando-se Jesus de Jericó, um cego estava sentado à beira da estrada e pedia esmolas. Ouvindo passar a multidão, perguntou o que era. Sabendo que passava Jesus de Nazaré, apesar de a gente o ralhar, a fim de que se calasse, não cessava de gritar: Jesus, Filho de Davi, tende piedade de mim (1). Por isso mereceu que, em recompensa de sua fé, o Senhor lhe restituísse a vista: Fides tua te salvum fecit — “A tua fé te valeu”.

Se quisermos agradar ao Senhor, eis aí o que também nós devemos fazer. Imitemos a fé daquele pobre cego, e neste tempo de desenfreada licença, enquanto os outros só pensam em se divertir com prazeres mundanos, procuremos estar, mais que de ordinário, diante do Santíssimo Sacramento. Não nos importemos com os escárnios do mundo, lembrando-nos do que diz São Pedro Crisólogo. Qui iocari voluerit cum diabolo, non poterit gaudere cum Christo — “Quem quiser brincar com o demônio, não poderá gozar com Cristo”. Quando nos acharmos em presença de Jesus no tabernáculo, peçamos-lhe luz para detestarmos as ofensas que o magoam tão profundamente. Peçamos-lhe não somente para nós mesmos, senão também para tantos irmãos nossos desviados: Domine, ut videam — “Senhor, fazei-me ver”.

Amabilíssimo Jesus, Vós que sobre a cruz perdoastes aos que Vos crucificaram, e desculpastes o seu horrendo pecado perante o vosso pai, tende piedade de tantos infelizes que, seduzidos pelo Espírito da mentira, e com o riso nos lábios, vão neste tempo de falso prazer e de dissipação escandalosa, correndo para a sua perdição. Ah! Pelos merecimentos de vosso divino sangue, não os abandoneis, assim como mereceriam, Reservai-lhes um dia de misericórdia, em que cheguem a reconhecer o mal que fazem e a converter-se. — Protegei-me sempre com a vossa poderosa mão, a fim de que não me deixe seduzir no meio de tantos escândalos e não venha a ofender-Vos novamente. Fazei que eu me aplique tanto mais aos exercícios de devoção, quanto estes são mais esquecidos pelos iludidos filhos do mundo. “Atendei, Senhor, benigno às minhas preces, e soltando-me das cadeias do pecado, preservai-me de toda a adversidade.”(2) † Doce Coração de Maria, sêde minha salvação.

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1. Luc. 18, 38.
2. Or. Dom. curr.

(LIGÓRIO, Afonso Maria de. Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo I: Desde o Primeiro Domingo do Advento até a Semana Santa inclusive. Friburgo: Herder & Cia, 1921, p. 279 - 282.)
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