sábado, 12 de março de 2011

Conversão, segundo Cristo

"A conversão que Cristo prega não é a volta ao passado e, nem mesmo, o ferrenho apego a tradições vazias e sem sentido, como comenta o próprio Jesus de Nazaré. É preciso caminhar por estradas novas, caminhos estreitos...", diz o Cardeal Eusébio Scheid, arcebispo do Rio de Janeiro.

"Convertei-vos!

Não goza de simpatia alguma e, menos ainda, de preferência o vocabulário que fala de conversão, penitência ou mudança de atitude. Todos esses conceitos parecem duros, quando não, agressivos e mais apropriados para sermões missionários, quaresmais ou sobre as realidades últimas. Assustam e, até, chocam.

Contudo, foi através do convite à conversão e à aceitação do Evangelho, que Jesus Cristo começou a traçar os novos rumos da história e a modelar o 'homem novo, segundo a justiça e a santidade da verdade': 'Convertei-vos! Crede na Boa-Notícia' (Mc 1,15). É um convite, um imperativo, uma exigência.

Tomar atitudes novas, duradouras, não raro, opostas a hábitos inveterados, causa espanto, desconforto, aversão. Hoje, mais do que nunca, apraz-nos o provisório, o mutável, descartável e 're-inventável': a novidade.

A fundamentação mais universal para indicar a conversão é a da mudança. Daí surge a primeira questão: quem deve mudar, a realidade, os condicionamentos, as estruturas ou o indivíduo que é o atingido ou mesmo o causador dessas estruturas? A evasiva mais fácil é a de culpar as estruturas e, com isso, continuar na rotina do 'deixa andar'. Parece a evasiva mais fácil...

Converter-se é mudar, ser diferente, mudar de rumo, agir de maneira diversa. Segundo a Bíblia, a conversão implica em mudança de mentalidade (matánoia): assumir uma cosmovisão diferente, valores novos, postura ética de outro feitio e vertente. Postula mudança de rumo e de prospectiva.

É bem verdade, que a conversão pressupõe, como primeiro passo, o conhecimento da realidade a ser transformada. Exige um profundo conhecimento de si mesmo e de tudo aquilo que afeta e pode modificar a minha pessoa, ou melhor, minha personalidade. Quais os 'mecanismos' que determinam o meu agir, resultante do meu modo de pensar? Aqui entramos em uma área bastante ampla e complexa. Não são muitos os que, realmente, se conhecem a fundo. Seria preciso ampliar o auto-conhecimento.

Perguntamo-nos o que Cristo intentava, quando convidou seus ouvintes à conversão: 'Convertei-vos! Crede na Boa-Nova!'. Estava em jogo, naquela hora, a própria finalidade da sua vinda ao mundo, o conteúdo de seu ensinamento e de seu modo de agir. Primeiramente, Cristo nos veio ensinar a ser filhos e filhas de Deus e, de conseqüência, a ser irmãos e irmãs.

Parece simples e, contudo, é o caminho de conversão mais difícil. Ser filho e filha de Deus importa em 'estar nas coisas do Pai' (Lc 2,49), sem esquecer as da terra. Cuidar e amar o que é terreno em vista do que é eterno. São normas fundamentais e irrenunciáveis. É o equilíbrio entre materialismo e alienações. Quando, em dias de estudo, de retiro ou de aprofundamento da fé, se fala de conversão, assalta-nos uma certa tristeza, medo e insegurança. Trata-se de algo novo, omitido ou nunca antes pensado como urgente.

Ao falar de conversão para Deus e para os irmãos, entramos no âmbito da familiaridade com as coisas do Alto e da fraternidade, apoiada em verdades reveladas: 'Vós todos sois irmãos' (Mt 23,8); trazemos em nós a estampa do Criador (Gn 1,26), que vai respeitada por ser a identidade de nossa própria origem; somos conduzidos pelo Espírito, destinatários do mesmo fim: 'Nosso coração está irrequieto até que descanse em vós' (Confissões de Santo Agostinho, 1,1). Os irmãos e irmãs estão em nível de 'parentesco' em Deus.

Quando repensamos certas conversões, tais como: a de São Pedro, de São Paulo, de Santo Agostinho, de Edith Stein, de John Wu, de São Francisco de Assis e tantas outras, não podemos deixar de admirar a magnanimidade de Deus e a firmeza de vontade dos convertidos. Não voltam atrás no passo dado, ainda, que lhes custasse o sacrifício da vida.

A conversão que Cristo prega não é a volta ao passado e, nem mesmo, o ferrenho apego a tradições vazias e sem sentido, como comenta o próprio Jesus de Nazaré. É preciso caminhar por estradas novas, caminhos estreitos... Sem apego às paisagens à beira do caminho, sem saudades do que ficou para trás, rasgando os horizontes do desconhecido, mas, com a certeza de um destino certo, porque Jesus, 'caminho, verdade e vida' (Jo 14,6) vai conosco, vai à frente.

Cito a conversão da mártir Edith Stein. Depois de peregrinar pela tradição judaica até à sua juventude, cai numa espécie de letargia ou descrença generalizada. Pratica a caridade como profissional de enfermagem, durante a guerra mundial de 1914-1918. Mergulha nos sistemas filosóficos mais complicados à procura de uma luz, por pequena que fosse. Nada a satisfaz, apesar da sua retidão moral e da sinceridade de sentimentos. Em noites de insônia, encontra a resposta a todos os seus questionamentos em uma simples biografia de Santa: a de Teresa D’Ávila. Não teme encetar a caminhada nova das oposições, dos sofrimentos familiares, dos aparentes escândalos. É iluminada pela luz que jorra do Calvário como esperança da novidade única e total. Encontra a luz plena e definitiva em um campo de extermínio, na frieza satânica de uma câmara de gás. Morre mártir em defesa da verdade, tal como São Paulo, São Policarpo e Santa Inês.

Conversão é o 'avançar para águas mais profundas' (Lc 5,4); é buscar a santidade no pensar e agir; ansiar pela amizade com Deus, 'único necessário' (Lc 10,42); é confiar na onipotência de quem amamos com novo amor e que pode 'transformar pedras em filhos de Abraão' e apoiar-se na força transformadora da Palavra de Deus e dos Sacramentos; é o alentar-se pela esperança que me garante o resultado certo pelo auxílio do ardor do Espírito.

A conversão desponta na vida dos santos e santas com o especial momento de graça: São Paulo tomba por terra e fica, transitoriamente, cego; Santo Agostinho deixa para trás um passado de glória mundana e de prazeres carnais. Edith Stein renuncia a uma pretensa auto-suficiência racional, para abraçar o 'enigma da fé' (1Cor 13,12); São Francisco de Assis se despoja de tudo e renuncia a todos os pseudo-valores que não se coadunassem com a nobre dama da Pobreza absoluta; Santa Teresinha abraça o martírio por amor: na escuridão aparente da fé, na crueza do sofrimento físico, no abandono total à bondade e misericórdia do Altíssimo...

'Voltai para mim de todo o coração, chorando e batendo no peito. Rasgai vossos corações... Voltai para o Senhor, vosso Deus, pois Ele é bom e cheio de misericórdia' (cf. Joel 2,12-13)"

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