quarta-feira, 27 de julho de 2011

Dai-lhes vós mesmos de comer!



Logo que soube da notícia do martírio de João Batista, Jesus interrompeu o atendimento ao povo que o seguia e retirou-se para um lugar deserto. As multidões não se conformaram com o seu desaparecimento e saíram à sua procura. Quando Jesus viu os homens e mulheres que, a pé, tinham ido a seu encontro, ficou comovido, dirigiu-lhes a palavra e curou muitos enfermos. Anoiteceu. Nasceu, então, uma preocupação no coração dos discípulos: o que fazer? Como o povo iria se alimentar? Seria melhor que o Mestre recomendasse que todos fossem embora e, nas cidades, comprassem alimento. A observação de Jesus, contudo, os surpreendeu: “Não é necessário; dai-lhes vós mesmos de comer”. A resposta dos apóstolos foi de surpresa: “Não temos aqui mais do que cinco pães e dois peixes”. Para Jesus, bastava isso: ele tomou esses cinco pães e peixes, abençoou-os, deu-os aos apóstolos e eles os distribuíram a todos (cf. Mt 14,14-21).
O gesto de Jesus foi um milagre, e não uma mera coleta de alimentos com uma posterior redistribuição a todos, como querem alguns racionalistas. O evangelista é muito claro: os pães que os apóstolos apresentaram a Jesus e que ele pegou e abençoou eram cinco, junto com dois peixes. Ou, nas palavras de Mateus: “Então, Jesus pegou os cinco pães e os dois peixes, ergueu os olhos para o céu e pronunciou a bênção, partiu os pães e os deu aos discípulos; e os discípulos os distribuíram às multidões”.
Alguém, conhecendo esse fato, poderia se perguntar: Por que Jesus se preocupou com a fome de seus ouvintes? Ele não veio até nós para nos ensinar coisas importantes e elevadas – isto é, para apresentar a Boa Nova trazida do Pai? Como pôde perder seu precioso tempo com uma coisa tão secundária e passageira como é a fome?
O gesto de Jesus foi uma antecipação de outro pão que ele nos daria: “o pão que desce do céu, para que não morra quem dele comer” (Jo 6,50). Sua preocupação com a fome do povo era, também, uma prova clara de que ele veio ao mundo para salvar o homem todo – isto é, não veio apenas para salvar suas almas. Portanto, tudo o que é importante para o ser humano, é importante para Jesus – também a nossa sobrevivência, também o pão de cada dia, como ele próprio nos ensinou a pedir: “Pai… o pão nosso de cada dia nos dai hoje…”. Ao dizer aos apóstolos: “Dai-lhes vós mesmos de comer!”, Jesus estava nos dando mais uma lição: para a solução do problema da fome, ele quer contar com a nossa colaboração.
Peguemos a aeronave do tempo e voltemos para a nossa época e para a nossa Bahia. Hoje, quando é rotina o envio de foguetes espaciais para espaço celeste; quando computadores, telefones celulares e internet fazem parte da vida diária de multidões; quando, a cada momento, entram em nossa casa imagens ao vivo de qualquer parte do mundo… hoje há pessoas morrendo de fome. Não estou me referindo ao que acontece na África ou em regiões da Índia, mas no próprio Brasil, país que está entre os maiores produtores de grãos do mundo. Sim, aqui, em nossa pátria, aqui, na Bahia, há gente passando fome por não ter emprego nem condições de conseguir, com dignidade, o pão que é um direito de todos. O “pão” a que me refiro é muito mais do que o alimento básico em nossas mesas; ele é o símbolo de tudo o que é necessário para se falar em vida digna: saúde, habitação, educação, saneamento básico, segurança etc.
Angustiados e desorientados com essa situação, talvez tenhamos a tentação de perguntar, como que querendo fugir de qualquer responsabilidade por tal situação: “Como é possível que Deus permita a fome no mundo? Como entender que muitos de seus filhos sofram tanto?” Deus não precisa nos responder, pois já o fez: “Dai-lhes vós mesmos de comer!”
É necessário que, colocando em prática nossa criatividade, encontremos respostas adequadas para desafios que nem deveriam existir. Mas existem, porque nem sempre sabemos repartir nossos dons. Na Eucaristia, Jesus nos ensina que só se encontra a solução para qualquer problema quando somos capazes de, como ele, repartir com os demais o próprio coração.

Dom Murilo S.R. Krieger, scj
Arquidiocese de São Salvador da Bahia/BA

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