terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Afinal, o que é amar?


‘Amar é...’ Era este o infalível início de uma famosa série de cartões; blusas; lenços; roupa de cama, mesa e banho; roupas íntimas e o que mais se pudesse imaginar, nos anos 70/80. ‘Amar é... ser sempre gentil’; ‘Amar é... servir sempre’, diziam algumas dessas célebres frases que, convenhamos, pelo menos têm algum conteúdo que se refere ao comportamento de quem ama. Fico a imaginar como seriam essas frases se fossem escritas hoje, com toda a carga de pornografia e deformação do amor que os nossos tempos trazem. Naquele tempo, pelo menos, havia ainda algo de pureza, de romantismo, de civilidade, de virtude conectado à idéia de amor...

Mas, afinal, o que é amar? Em meio às deformações do que seja amor que nos atacam por todos os lados, infelizmente nem sempre como balas perdidas, é preciso recorrer à fonte, à Verdade. Jesus nunca deu uma definição verbal de amor. Não o sintetizou em uma frase, nem em um artigo, nem em um livro. Ele foi amor. Viveu o amor. É e será sempre amor. O que fez, então, foi dar-nos uma ordem nova, um mandamento novo, a única ordem explícita que ele chamou de ‘mandamento’: ‘Amai-vos uns aos outros como eu vos amo’ (Jo 15,12). Pois bem! E como é que Jesus nos ama? Bem, para responder, leiamos o Evangelho inteiro, dando maior importância ao coração de Jesus, suas atitudes, suas escolhas, do que aos fatos em si.

O mundo inteiro não poderia, entretanto, conter o que se poderia falar acerca do amor de Jesus. O próprio Senhor, entretanto, nos fala explicitamente ‘onde’ ele contempla o amor: na vida intratrinitária: ‘Eu e o Pai somos um’ (Jo 10,30); ‘Nada faço que não tenha visto o Pai fazer’ (Jo 5,19); ‘O que vos digo, ouvi de meu Pai’ (Jo.....) Alguns santos, como São João da Cruz e Santa Teresa Benedita da Cruz, afirmam que ‘só há um amor’. São João Evangelista afirma que ‘Deus é amor’ (1Jo 4,16) e São Tomás de Aquino ensina que ‘Deus é amor em ato’. O grande ensinamento do amor, portanto, aprende-se contemplando o amor de Deus na Trindade que se faz palpável em Jesus, o Verbo feito carne.

No que os estudiosos conseguem ‘apreender’ do relacionamento intratrinitário que, para nós, permanecerá, sempre, um mistério, vemos que nas três Pessoas há um ininterrupto ‘dar-se inteiramente ao outro’ e, em um mesmo movimento, ‘acolher o outro inteiramente’. Há um contínuo esvaziamento de si no outro e uma contínua acolhida absoluta do outro, de modo a serem um só Deus. Dar-se inteiramente, esvaziar-se inteiramente de si e, em um só movimento de amor, acolher inteiramente o outro (não há como dar-se inteiramente a alguém sem acolhê-lo inteiramente, não é verdade?) é, então, o ‘jeito de amar’ da Trindade. Se queremos amar ‘como Deus ama’, se queremos cumprir o mandamento de Jesus de nos amarmos ‘como ele nos ama’, precisamos contemplar este ‘movimento parado’ da Trindade, esta ‘dança do perfeito amor’ que se faz visível, palpável, inteligível no amor concreto do Verbo por mim e por você.

Jesus fez-se carne. Ao fazer-se carne, ‘desposou a humanidade’ (ver aqui, com Pe. Emílio, qual é o teólogo ou padre da Igreja que diz isso. Ele usou no casamento do Rafael), isto é, esvaziou-se de si (Fl 2,7) e, sem deixar de ser Deus, acolheu a nossa humanidade, com seus limites, necessidades e fraquezas. Aguarda, agora, nosso movimento em sua direção. Aguarda que o acolhamos como Ele nos acolheu, que nos demos a Ele inteiramente, como Ele se deu a nós fazendo-se carne e, por amor, morrendo a morte de cruz em nosso lugar. Fazendo isso, estaremos entrando no compasso desta ‘dança de amor’, estaremos partilhando com a Trindade o único amor realmente digno deste nome, o amor que ‘dá-se todo e acolhe o outro todo’.

‘Para onde vais, Senhor, para que possamos te seguir?’ Filipe perguntou a Jesus em Jo...... Talvez, como Filipe, pudéssemos perguntar: ‘Onde estás, Senhor, para que eu retribua o teu amor, para que eu entre no compasso da ‘dança de amor’ da Trindade? Onde estás para que eu participe desse jeito de amar e me doe todo a ti, não sendo senão em ti? Onde estás para que eu te acolha todo e tu não sejas senão em mim?

A resposta, você sabe, vem por meio de João: ‘Quem diz que ama a Deus a quem não vê e não ama seu irmão a quem vê, é mentiroso’ (Cf. 1Jo 4,20). A Trindade, em Jesus, desposou a humanidade. Vive nela o amor esponsal característico da Trindade, como descrevemos acima. Quando falamos de amor esponsal, não há outro amor, outra esponsalidade a contemplar senão a da Trindade, que se dá e acolhe totalmente, sendo perfeitamente Um, perfeitamente Unidade. Por outro lado, quando falamos de amor esponsal, em especial quem é chamado a ‘amar o não amável’ (RVSh,......), devemos contemplar o mistério completo deste amor intratrinitário, que inclui o Verbo fazer-se carne e entregar-se ao homem, acolhendo-nos inteiramente.

Foi assim que Jesus nos amou. É assim que Ele ordena que nos amemos: como Ele nos ama. Isso significa: entregar-se e acolher o outro inteiramente, especialmente se é ‘não-amável’. Gosto de rezar vendo como Jesus foi capaz de se tornar homem sendo o homem tão diferente dele! Como é que Ele ‘conseguiu’ se unir todo a nós, fazendo-se homem, entregando-se inteiramente a nós, se nós somos exatamente quem mais feriu, rejeitou, renegou a Ele, ao Pai e ao Espírito! Como Ele conseguiu amar o homem, o não-amável, do mesmo ‘jeito’ que Ele ama (dá-se e acolhe) o Pai e o Espírito! Fico admirada de ver que Ele nos amou sempre do mesmo ‘jeito’, com o mesmo ‘amor’: dando-se a nós, os ingratos, os não-amáveis, da mesma forma e com a mesma ‘intensidade’ com que se dá e acolhe o Pai e o Espírito. E, como amando a nós, os pecadores, ingratos, não amáveis, do mesmo ‘jeito’ e com a mesma ‘intensidade’ com que amou o Pai e o Espírito, amou ao próprio Pai e ao Espírito em nossa humanidade e através dela, unindo-nos para sempre à ‘dança de amor’ da Trindade Santa.

Fico, então, pensando em São João da Cruz, que diz que Deus nos quer santificar fazendo-nos um com Ele, não por natureza, mas por participação no amor. Fico, também pensando em Jo 17, quando Jesus pede ao Pai que sejamos um como Eles dois são. E, claro, penso também em você e no quanto Deus quer lhe dar, no quanto Ele deseja ensinar a você e a mim a amar, a nos darmos inteiramente, não somente no que fazemos, mas especialmente no que somos e, especialmente, ao não amável: aquele que nos ameaça, aquele que nos constrange, aquele que nos magoa, aquele que não é como queríamos que fosse, aquele que não é como nós: o diferente.

Sabe, ‘amar é... ser outro Jesus’. Esta é a graça que recebemos no Batismo, a graça e o chamado de sermos ‘outros Cristos’, outros que amem como Cristo nos ama. E Ele nos ama do ‘jeito’ que sabe, do ‘jeito’ que a Trindade ama, pois não há outro amor senão este! Que coisa maravilhosa! Que perspectiva grandiosa! Que resposta altíssima deve ser nossa resposta de amor esponsal, que desposa, como Cristo, a humanidade e, nele, em Cristo, por Cristo e com Cristo, responde ‘sim’ ao amor esponsal da Trindade! É grande demais! É maravilhoso demais! É, por outro lado, doloroso demais! Impossível sem a graça! No entanto, é para este amor que fomos criados! Amar é... é isso!
Maria Emmir Nogueira
Co-Fundadora Shalom
Fonte: Site Comunidade Shalom

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