terça-feira, 5 de abril de 2011

Quando a treva nos oprime…


A aventura de crer não é de hoje. E o drama de caminhar ante um Deus maior que nós, um Deus cujo modo de agir nos escapa, enche as páginas da Sagrada Escritura e da história de Igreja. É o caso do dramático diálogo entre Habacuc profeta e o Deus santo de Israel (Hab 1,12 – 2,4). Habacuc viveu no início do século VI aC, no período da invasão de Babilônia, que levou Judá para o exílio. A mensagem do profeta era simples e cortante: como Israel não se convertia, o Senhor mandaria os babilônios, que seriam tremendo instrumento da punição de Deus para despertar e corrigir o seu povo. É isso que Deus o mandara anunciar, e este anúncio tremendo – a destruição de tudo quanto ele amava – o colocava em crise. E então ele, um fiel servidor do Deus santo de Israel, interpelou o seu Senhor: “Senhor, tu és santo demais para fechares os olhos ao mal. Nós pecamos e merecemos castigo. Mas, por que usas os babilônios, piores que nós, para nos castigar? Onde está tua justiça? Que lógica é essa? Tu premias os perversos e violentos, favoreces os ímpios? Por que a humanidade é como peixe no mar (peixe não tem dono, ninguém cuida dele, com ele ninguém se importa!), como répteis no deserto, para os quais ninguém liga? Será que não vês? Os perversos, os tiranos, os malvados agem neste mundo como pescadores: jogam as redes a apanham os pequenos, os fracos, os pobres… E ninguém faz nada! Por que, Senhor, o mal, por que o triunfo dos perversos? Por que parece que nada dirige nossa vida? Por que o teu silêncio tão pesado e o teu modo de proceder tão misterioso? Por que Babilônia é tão forte?” O profeta aparece, aqui, em crise. Não compreende o seu Deus, não consegue discernir a lógica dos seus desígnios, não consegue individuar sua presença em tanta desolação e treva humana, em tanto aparente absurdo…

Mas, atenção! Note o meu Leitor que nem assim ele duvida de Deus. Habacuc não pergunta: “Onde está Deus? Por que age assim? Por que permite isso?” Habacuc não diz, de modo presunçoso ou revoltado “Deus não existe!” Não! Ele não fica imaginando coisas sobre Deus ou filosofando sobre o Eterno; ao invés, em oração sofrida e sincera, ele se dirige ao próprio Deus! Sim, faz as perguntas ao próprio Senhor Altíssimo, em forma de sincera, angustiada e humilde oração! Sua pergunta não é a do filósofo arrogante, do ateu sarcástico, mas do crente humilde. A mesma coisa que fez Bento XVI quando visitou o campo de concentração nazista de Auschwitz, na sua viagem à Polônia: “Senhor, por que permitiste, onde estavas? Não consintas que voltemos a fazer isto!” Crer não é compreender tudo; crer é abandonar-se, é ter a coragem de caminhar como se visse o Invisível. O cristão tem consciência da dor do mundo, das tremendas trevas que ameaçam a história humana coletiva e pessoal. O discípulo de Cristo não sabe todas as respostas, não tem as soluções na palma da mão; mas somente pode vislumbrar a misteriosa lógica da fé olhando a cruz de Jesus… E isto o enche de certeza, de força, de consolo de quem vislumbra um sentido para além de toda falta de sentido, vislumbra a luz para além de toda densa treva!

Hoje, com nossa racionalidade autossuficiente, quando não compreendemos, duvidamos, revoltamo-nos, afastamo-nos de Deus. Eis a situação do mundo atual, que zomba da fé, e acusa Deus precisamente porque não se encaixa na nossa lógica. E, no entanto, geração após geração, os amigos de Deus foram sempre aqueles que souberam dar-lhe um crédito de inteira confiança, colocando os olhos no seu amor e na sua fidelidade. É o caso de Habacuc. E ele teima, insiste: “Ficarei à espera, Senhor; permanecerei vigiando até que me respondas!” E a resposta vem, enfim: “Habacuc, anota bem; e ainda que demore a acontecer, espera, porque virá com certeza. Eis que perecerão os que não são retos; mas o justo viverá por sua fé!” – Que resposta de arrepiar! Haverá um juízo de Deus: ele virá; pode-se esperar com certeza! E não é indiferente ser reto ou perverso, ser bom ou mau, crer ou não crer! Ao fim de tudo, somente os justos viverão, somente os retos entrarão na plenitude da vida… Mas, somente viverão, somente serão capazes de perseverar e prosseguir fielmente pela fé, somente terão suportado até o fim e terão triunfado pela sua confiança inabalável em Deus!
Que o Senhor nos conceda a fé que marcou todos os seus amigos: com o coração de criança, souberam abandonar-se, confiar, e não foram desiludidos. E, se a noite vier, se o absurdo bater à nossa porta, mais que Habacuc temos razão para crer: basta olhar a lógica da cruz do nosso amado Salvador! Aí, quando tudo for noite trancada, a luz brilhará: “Se creres, verás a glória de Deus!”

Dom Henrique Soares da Costa
Arquidiocese de Aracaju

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