quarta-feira, 15 de outubro de 2025

A Determinada determinação: o valor que nasce do sacrifício segundo Santa Teresa de Jesus

Não estava no meu intuito compartilhar esse texto, mas deixá-lo nos rascunhos. Mas o dia de alguns santos me inquietam, principalmente os santos Carmelitas e Passionistas. Relendo alguns trechos em algumas obras de espiritualidade nos últimos dias para escrever sobre Santa Teresa, já que estava se aproximando o dia da sua memória, hoje me veio a mente um dos seus tantos pensamentos que sempre toca o meu coração, a sua célebre frase: “É justo que muito custe aquilo que muito vale”, Santa Teresa como que sintetiza o coração de sua doutrina espiritual: o caminho da união com Deus exige esforço, perseverança e amor firme nas provações. Não se trata de uma exaltação do sofrimento em si, mas da consciência de que os bens espirituais mais preciosos - a graça, a santidade, a amizade divina - não se alcançam sem determinação e entrega total. Para doutora, a vida interior é uma jornada de amor, e amar verdadeiramente custa, porque supõe sair de si mesmo e vencer o apego às próprias vontades.

Em suas obras, como O Livro da Vida e o Castelo Interior, estas que nos são tão caras, a mestra da vida cristã e da oração apresenta a ascensão espiritual como um itinerário de purificação e crescimento. Deus conduz a alma, pouco a pouco, da oração inicial e cheia de distrações até as moradas mais íntimas, onde reina a comunhão amorosa com Ele. Esse caminho, porém, não é linear nem fácil. A alma encontra resistências interiores - distrações, secura, tentações de desânimo - e provações exteriores que testam sua fidelidade. Por isso, Teresa exorta à “determinada determinação”, expressão que complementa e explica a frase em questão: a santidade requer constância heroica, mesmo nas noites escuras.

Segundo Frei Gabriel de Santa Maria Madalena (1893-1953), autor de diversas obras de espiritualidade, um homem que estudou profundamente a mística teresiana, ele ensina que Teresa “tende a um fim único: o encontro da alma com Deus, e não conhece melhor caminho que o da generosidade”. Essa generosidade traduz-se no dom de si, no abandono confiante e no amor perseverante. O “custo” espiritual é o preço da fidelidade a Deus em meio às dificuldades cotidianas e às purificações interiores. É o mesmo princípio evangélico recordado por Cristo: “onde está o teu tesouro, aí está o teu coração” (Mt 6,21).

Para o Frei Jesus Castellano Cervera (1941 - 2006), outro grande frade carmelita e estudioso da santa, ensina que a pedagogia de Teresa é profundamente realista. Ela sabe que o progresso espiritual não é imediato nem isento de quedas, mas fruto de um amor que amadurece no tempo, sustentado pela graça e pela decisão livre de permanecer fiel. Assim, o “muito custar” é, paradoxalmente, fonte de alegria, pois torna o amor mais puro e o coração mais semelhante ao de Cristo.

Em um olhar prático, a frase de Teresa convida o cristão contemporâneo a revalorizar o esforço espiritual. Numa cultura que busca resultados rápidos e prazeres imediatos, ela recorda que o verdadeiro valor se mede pela capacidade de perseverar. Amar, servir, perdoar, rezar com constância e buscar a vontade de Deus em tudo, essas são atitudes que custam, mas valem infinitamente, porque moldam o ser humano à imagem do Amor eterno.

Poderia resumir o espirito teresiano, e o fôlego da vida espiritual em dois pontos: fidelidade e paciência. E a paciência é o custo do amor maduro: suportar o tempo de Deus, aceitar as purificações, renunciar às ilusões de imediatismo.

Assim, “é justo que muito custe aquilo que muito vale” significa que o caminho para o essencial: Deus, o Amor, a Verdade, Ele exige toda a nossa entrega. O preço não é opressão, mas liberdade conquistada; não é peso, mas plenitude. Santa Teresa nos ensina, portanto, que a alma que tudo dá a Deus, mesmo em meio ao sofrimento, descobre o segredo da felicidade autêntica: o valor de amar o que realmente vale - e de pagar, com alegria, o preço do amor.

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terça-feira, 14 de outubro de 2025

O amor como plenitude da liberdade humana

A liberdade é dom para o amor. O Pe. Morais Júnior afirma que o homem só se realiza quando orienta sua liberdade ao Absoluto: “Erra quem procura fragmentar a entidade humana ou quebrar o elo espiritual que a prende ao supremo Bem”.

A liberdade sem amor é solidão; o amor sem liberdade é servidão. Somente quando ambos se unem nasce a santidade, o estado em que a vontade humana repousa na vontade divina, e o ato de amar torna-se ato de ser.

Pe. Faber, refletindo sobre essa união, chama o amor de “ciência das ciências”, porque tudo depende de como estamos diante de Deus. A graça nos faz amar porque nos faz ver: ver a Deus é amá-lo, e amá-lo é tornar-se livre.

Assim, o dom de amar é o ápice da criação e da redenção. O homem, feito à imagem do Amor, encontra sua liberdade quando ama; e, quando ama, torna-se imagem viva de Deus. O dom de amar na liberdade revela o mais profundo dinamismo da vida cristã.

Por fim, o amor é o rosto da liberdade redimida. Amar é permitir que Deus ame em nós, é o exercício mais pleno da liberdade e o mais puro dom da graça. Como ensina São Paulo: “Onde está o Espírito do Senhor, aí está a liberdade” (2Cor 3,17). E onde há verdadeira liberdade, há o dom supremo de amar.


Obras consultadas:

FABER, Pe. William. Progresso na vida espiritual. Petrópolis: Vozes.

MORAIS JÚNIOR, P. A. D’Almeida. Filosofia da Liberdade. Petrópolis: Vozes, 1947.

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domingo, 12 de outubro de 2025

Quando o sol se recolhe

Quando o sol ia se pondo ao oeste do Rio Potengi, parei e fiquei observando, compreendi que a luz não desaparecia - apenas se recolhia do nosso olhar para brilhar em outro horizonte. Assim também é a vida humana: o entardecer da existência não é o fim, mas o prenúncio de uma nova aurora, a luz sem ocaso da eternidade (cf. CIC §1013, §1022). O entardecer como o nascer do sol é escatológico. 

Mas essa realidade não deve nos causar medo, e sim esperança e gratidão. O cristão vê no cair do sol não a sombra do fim, mas o início do repouso em Deus. São João Paulo II dizia que “a morte é a porta da vida”, a passagem da fé para a visão, da espera para o encontro.

Como o entardecer que pinta o céu com cores suaves de amarelo, laranja e vermelho, o fim da vida pode ser contemplado como um ato de entrega confiante  a Deus, uma despedida que prepara o coração para o abraço eterno do Amor...

Quando o sol se recolhe, não morre a luz,
apenas repousa noutro horizonte.
O céu, cansado de tanto brilhar,
fecha os olhos - não em fim, mas em promessa.

Há um sossego no entardecer,
como o coração que, após longo dia,
descansa nas mãos do Criador.
E mesmo cansado, ainda contempla.

Porque o cansaço não apaga a beleza,
é nela que a alma aprende a ver mais fundo.
Quem se cansa, mas não desiste de olhar,
descobre que a fadiga é irmã da fé -
ambas esperam o repouso prometido.

O sol se põe, o corpo se cala,
mas a alma, silenciosa, se acende.
Na brisa mansa da tarde,
Deus sussurra: “Descansa, filho,
pois teu entardecer é meu amanhecer.”

E assim, mesmo o último suspiro
é apenas o primeiro canto da eternidade.
O amor não tem ocaso -
só horizontes novos.
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terça-feira, 7 de outubro de 2025

O amor próprio desordenado e a crise do homem contemporâneo

A crise do homem contemporâneo tem suas raízes mais profundas no amor próprio desordenado. Esse amor, ao invés de ser reflexo da legítima estima de si como criatura de Deus, torna-se fechamento egoísta, idolatria de si mesmo e rejeição da transcendência. A tradição espiritual cristã, conforme recorda Dom Chautard em A alma de todo apostolado, ensina que a verdadeira fecundidade da vida humana e apostólica depende da vida interior, ou seja, da relação de amor com Deus que purifica o coração e ordena os afetos. Quando o homem volta-se unicamente para si, interrompe esse fluxo vital.

No entanto, a modernidade, ao exaltar o indivíduo como medida de todas as coisas, substituiu a interioridade pela autoafirmação. O amor próprio tornou-se uma forma de autossuficiência: o homem moderno busca a felicidade fora de Deus e, ao fazê-lo, perde o sentido de si mesmo. Pe. William Faber, em seu livro o Progresso na Vida Espiritual, alerta que o amor próprio é uma das maiores contradições da vida espiritual, pois o homem “exagera o pouco que faz” e busca sinais ilusórios de seu próprio progresso. Essa busca de autojustificação gera angústia, vaidade e comparação - sintomas visíveis na cultura atual, marcada por exibicionismo, ansiedade e culto da imagem.

O amor próprio, quando desordenado, transforma o centro do homem em um ídolo. Pe. José Tissot, seguindo São Francisco de Sales em A Arte de Aproveitar-se das Próprias Faltas, observa que as paixões humanas, quando não são dominadas, “devastam e aniquilam o jardim da alma”. A alma, criada para amar a Deus e os outros, adoece quando volta o amor para si de modo absoluto. Essa enfermidade se manifesta hoje na busca desenfreada de prazer, sucesso e reconhecimento. Poderia encerar aqui sintetizando, o homem contemporâneo quer ser o criador de si mesmo, negando os limites da criatura.

O resultado é uma civilização tecnicamente poderosa, mas espiritualmente vazia. Trazendo aqui também o pensamento do Frei Maria-Eugênio do Menino Jesus, em Quero ver a Deus, recorda que o homem foi criado para participar da vida divina e que “a alma caminha passo a passo com o passo de Deus”. O afastamento desse caminhar gera a solidão existencial moderna, na qual o homem, incapaz de contemplar, vive disperso, fragmentado entre estímulos e desejos contraditórios. A ausência de silêncio interior impede a escuta da voz divina e, consequentemente, a compreensão de si mesmo.

Padre A. D’Almeida Morais Júnior, em Filosofia da Liberdade, identifica nessa alienação o drama filosófico e moral do século: o homem moderno, reduzido à matéria e ao instinto, perde a liberdade verdadeira, que é a capacidade de orientar-se para o bem. “Ele é também matéria, mas a matéria unida à luz”, afirma o autor, indicando que a dignidade humana está no espírito que busca o absoluto. Quando o homem rompe essa relação, transforma a liberdade em capricho e a autonomia em prisão.

A crise contemporânea, portanto, é essencialmente uma crise de amor, parece até estranho, pois nunca tanto se falou e escreveu sobre este assunto, mas o x da questão está porque o homem ama-se de modo errado. Como ensina São Bernardo, “a ordem do amor é amar as coisas como devem ser amadas”: Deus sobre todas, o próximo como a si mesmo e a si mesmo por amor a Deus. O amor próprio legítimo nasce da consciência de ser amado por Deus; o desordenado nasce da soberba. Somente o retorno à interioridade e à vida de graça poderá curar o homem dessa doença do ego, devolvendo-lhe a liberdade do coração. Assim, a civilização reencontrará o sentido de pessoa e de comunidade, quando o amor de si for purificado pelo amor de Deus.


Obras citadas:

CHAUTARD, D. Jean-Baptiste. A alma de todo apostolado. Petrópolis: Vozes.

TISSOT, Pe. José. A arte de aproveitar-se das próprias faltas. Trad. segundo São Francisco de Sales.

FABER, Pe. William. Progresso na vida espiritual. Petrópolis: Vozes.

MARIA-EUGÊNIO DO MENINO JESUS, Frei. Quero ver a Deus. Petrópolis: Vozes, 2018.

MORAIS JÚNIOR, P. A. D’Almeida. Filosofia da Liberdade. Pet

rópolis: Vozes, 1947.



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quarta-feira, 24 de setembro de 2025

Viver o presente

 "Meus pensamentos não são como os vossos pensamentos e vossos caminhos não são como os meus caminhos" (Is 55,8).

Temos a obrigação de elaborar projetos e pensar no amanhã. Mas tudo deve ser feito sem inquietação, sem aquela ansiedade que corrói o coração, que não resolve absolutamente nada e que tantas vezes nos impede de estar disponíveis para o que temos que viver no momento presente.


Diego Tales 

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