Existem fracos e existem heróis!
Um dia, quase sem perceber, me caiu aos ouvidos uma frase que me acompanharia por muito tempo: “Existem fracos e existem heróis.” Naquele instante, confesso, ela me soou dura demais, grande demais para caber na minha vida comum. Passei dias, meses talvez, tentando entendê-la. A princípio, achei que falava de gente extraordinária, dessas que aparecem nos livros ou nos altares. Só mais tarde, depois de atravessar minhas próprias noites, fui percebendo que aquela frase falava de mim, de você, de todos nós. Era sobre a alma humana e suas batalhas silenciosas.
E aí a vida – essa mestra exigente – começou a traduzir a frase por meio das próprias experiências. Porque ela não poupa ninguém. Cedo ou tarde, somos lançados no campo de batalha da existência: dores que nunca pedimos, perdas que rasgam, incertezas que nos tiram o chão, perguntas que ecoam sem resposta. E, justamente aí, no lugar mais vulnerável da alma, os dois caminhos da frase finalmente se revelam: o do fracasso interior ou o do heroísmo espiritual.
Desde o início, carregamos dentro de nós a tensão entre a grandeza e a fragilidade. A Escritura afirma que fomos criados “pouco abaixo dos anjos” (Sl 8,6), mas formados “do pó da terra” (Gn 2,7). Somos esse misto profundo: inclinados ao alto, mas pesados pelo chão. Dentro dessa batalha silenciosa, cada história espiritual é traçada. E é ali, no íntimo mais verdadeiro, que os homens se dividem: não entre os fortes e os fracos no sentido humano, mas entre os que se deixam vencer por dentro e os que, pela graça, reaprendem a lutar.
Os fracos – aqui é preciso ser justo – não são os que choram, temem ou se angustiam. Cristo mesmo, no Getsêmani, “começou a entristecer-se e angustiar-se” (Mt 26,37). A fragilidade não é pecado; é condição humana (CIC 1426). Fraco é aquele que já cedeu por dentro, aquele que entregou o coração antes mesmo de empunhar a espada espiritual. Santo Agostinho lembrava que a verdadeira derrota está em “amar o que passa e abandonar Aquele que permanece”. O fraco troca o eterno pelo alívio imediato; permite que o sofrimento se transforme em desespero; deixa, como Caim, que “o pecado se aninhe à porta e domine” (Gn 4,7).
O herói cristão nasce do contrário disso. Ele também sente medo, também sangra, também se cansa. Mas não desiste. São Gregório de Nissa dizia que a grandeza humana está em sermos chamados a crescer infinitamente rumo ao Bem – e cada luta é ocasião de dar mais um passo. O herói não chega pronto: ele se refaz continuamente, porque sabe que a graça “aperfeiçoa a fraqueza” (2Cor 12,9). Ele é aquele que, como Jacó no vau do Jaboque, luta até o fim, mesmo mancando, mesmo ferido, até receber a bênção (Gn 32,25-31).
As dificuldades, vistas sob a luz da fé, deixam de ser obstáculos e se tornam pedagogia divina. São João Crisóstomo ensinava que nenhuma provação é enviada para nos destruir, mas para revelar quem somos. E a Primeira Carta de Pedro diz que é na tribulação que o coração é provado como ouro no fogo (1Pd 1,7). A alma aprende a depender mais de Deus quando seus próprios recursos falham. Não buscamos o sofrimento – isso seria tolice. Mas confiamos que Deus, como testemunha São Tomás, só permite o mal para tirar dele um bem maior.
Cristo nunca prometeu uma vida sem cruz. Ele prometeu presença: “Eu estarei convosco todos os dias” (Mt 28,20). Esse é o segredo dos heróis da fé: eles não caminham sozinhos. Quando a noite pesa e as respostas parecem não vir, ecoa ainda a palavra dirigida a Josué: “Sê forte e corajoso… o Senhor teu Deus está contigo” (Js 1,9). O herói toma essa promessa como fundamento, não como metáfora.
A diferença entre o fraco e o herói é espiritual, não psicológica. O fraco enxerga só o que dói; o herói vê a eternidade escondida por trás dos acontecimentos. O fraco se desespera; o herói oferece. O fraco cai e permanece caído; o herói cai, reconhece, pede perdão e se levanta – quantas vezes forem necessárias. Os Padres da Igreja repetem: santidade não é nunca cair, mas sempre recomeçar.
No fundo, ninguém nasce fraco ou herói. Tornamo-nos uma coisa ou outra pela resposta que damos à graça e às lutas da vida. O fraco fecha o coração; o herói abre. O fraco se entrega ao medo; o herói entrega o medo nas mãos de Deus. O fraco foge da cruz; o herói a abraça, sabendo que é nela que o amor se purifica e a fé amadurece.
E diante de cada dor, cada perda, cada incerteza, Deus nos faz silenciosamente a mesma pergunta que aquela frase um dia me fez: “Quem você deseja ser? Fraco ou herói?”
Na lógica cristã, herói é aquele que, mesmo ferido, ainda confia; mesmo chorando, ainda espera; mesmo cansado, ainda ama. É aquele que, à imagem do seu Senhor, transforma a cruz em ressurreição. Porque, como ensinaram os Padres, “o cristão vence não quando escapa, mas quando persevera”.
E esse heroísmo – tão humano e tão divino – está ao alcance de todos. Inclusive de você e de mim!
Comentários