Meu "último retiro": a Graça de Caná no coração
Vamos lá, gostaria compartilhar com vocês um pouco do meu "último" retiro...
Há caminhos que a gente percorre com os pés… e outros que só se percorrem quando o coração deixa de arrastar correntes e passa a caminhar livre. Na manhã do dia 20 de novembro subimos no ônibus rumo ao Ceará, especificamente a Quixadá, quando o ônibus serpenteava a serra rumo ao Santuário Rainha do Sertão, eu soltei para o irmão ao lado uma frase que saiu meio espontânea, meio antiga, daquelas que a gente só aprende quando a vida já bateu um pouco:
“Não adianta subir o monte se não elevar a alma.”
Ele riu, eu sorri de volta, e me disse é verdade! Por dentro eu sabia: aquele seria meu último retiro como seminarista. E quem chega ao último degrau carrega no peito uma mistura bonita de serenidade e despedida. Fui tranquilo, sem ansiedade, como quem entrega as rédeas e diz: “Senhor, conduz Tu.”
O Santuário, lá no alto daquele monólito que rasga o céu de Quixadá, não é apenas uma construção: é quase um segredo. Um daqueles lugares em que o céu parece descer só um pouquinho mais perto da terra. A Virgem Maria, Rainha do Sertão, guarda aquele solo com um silêncio que abraça. Quem sobe entende. Quem entra sente. E quem reza… ah, quem reza escuta coisas que só o coração consegue compreender.
E ali, no alto, o vento soprava como quem rezava conosco. Um vento, ora leve ora impetuoso, quase mariano, que parecia varrer o cansaço e abrir espaço para a graça entrar. À tarde, o pôr do sol tingia o sertão de ouro e laranja — e cada cor parecia dizer: “Deus ainda faz novas todas as coisas.”
Foi ali, embalado por essa brisa e por essa luz, que meu coração foi levado às Bodas de Caná. Maria, atenta como sempre, percebeu antes de todos a falta do vinho e apresentou tudo ao seu Filho (Jo 2,1-11).
No alto do Santuário, senti que Ela fazia o mesmo comigo: mostrava ao Senhor minhas ânforas vazias, minhas faltas silenciosas, aquilo que eu nem sabia pedir…
E Jesus, como em Caná, enchia tudo com vinho novo. Porque, no fundo, todo retiro é isso: a Virgem dizendo por nós — “Eles não têm mais vinho” — e Cristo respondendo com generosidade.
Padre Davi, o reitor do Santuário — homem de voz calma e olhar que enxerga por dentro — convidou-nos àquilo que o mundo moderno quase desaprendeu: entrar na própria alma. Ele dizia, com aquela mansidão firme de quem já bebeu muito da Fonte:
— Primeiro, cuidem da vida interior. Depois, do sacerdócio. A vida e o ministério longe de Cristo são vazios e infrutíferos.
A presença de Maria era quase palpável. Um silêncio bom, que cura e abraça. E nesse ambiente sagrado, Deus trabalhou fundo: renovou propósitos, reacendeu o que estava adormecido e plantou novos desejos de santidade. Confesso: fazia anos que eu não vivia um retiro tão bem. Parecia que o Senhor tinha reservado esse, justamente esse, para ser um marco.
E quando hoje, 23 de novembro, depois de termos participado da Santa Missa, começamos a descer a serra, senti que algo diferente descia comigo. Os pés voltavam para o chão… mas o coração, ah, o coração vinha elevado. Como se Deus tivesse enxugado o suor da estrada e dito baixinho:
“Coragem. Eu faço novas todas as coisas.”
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