Ontem eu e um xará, outro Diego, estávamos sentados conversando. Ficamos no seminário neste final de semana, sem pastoral, e entre uma palavra e outra caiu aquele silêncio típico de fim de domingo. Senti-me quase forçado a dizer que estava entediado, como se o domingo exigisse alguma coisa de nós. Antes de falar, porém, parei por dentro: será que estou mesmo entediado, ou simplesmente não estou sabendo estar aqui? A frase brotou: “Diego, eu ia dizer que estava entediado… mas percebi que o tédio é não saber aproveitar o momento.” Ele ficou pensando, com aquele aceno de quem entende sem pressa. Comecei a refazer algumas leituras e pesquisas sobre o assunto.
A palavra “tédio” vem do latim taedium: aborrecimento, desgosto, enfado. Mas quando mergulhamos na tradição cristã, vemos que existe algo mais profundo escondido atrás dessa sensação: a acédia. Nos antigos Padres, acédia não era só mau humor ou monotonia — era uma provação espiritual real, uma tentação que derruba o gosto pelas coisas de Deus. É aquela sombra fina que cai sobre a alma, especialmente de quem se consagra ao Senhor, e que diz silenciosamente: “Não vale a pena.”
Os monges chamavam a acédia de “o demônio do meio-dia”. Chegava quando o sol estava alto, o corpo cansado e o espírito vacilando. Meu meio-dia era noite. Evágrio descreve o quadro com precisão quase desconcertante: inquietação, desejo de abandonar o lugar, aversão à oração, sensação de que o tempo não passa. Cassiano levou esse ensinamento adiante, e o Catecismo acolhe seu espírito quando fala do “torpor” e da “tristeza espiritual” (CIC 2733).
Mas é importante lembrar: nem todo tédio é acédia, embora o tédio possa virar terreno para ela se for deixado solto. Há um tédio psicológico — normal, humano — e há aquele tédio espiritual que mina o desejo de Deus. Saber distingui-los é parte da ascese. Às vezes é só cansaço. Às vezes é a alma pedindo um gole de água fresca ou uma boa caminhada pelo claustro. Tomás de Aquino inclusive reconhece que repouso, recreação honesta e sono ajudam a alma a reencontrar o gosto pelo bem (ST II-II, q.35).
E aqui entra o tesouro da tradição: o tédio, quando bem habitado, se torna um convite. Um chamado para aprender a estar, simplesmente estar, sem fugir. Os monges diziam: “Permanece na tua cela, e a tua cela te ensinará tudo.” Às vezes o domingo, com sua calma que quase pesa, é justamente o dia em que Deus nos educa para o “ócio santo”, aquele descanso ativo que reabre o coração para o essencial. Há coisas que só florescem no silêncio do nada-para-fazer.
A acédia é como poeira fina: se não varremos, ela cobre tudo. Mas se tomamos um passo firme, quase monástico, ela perde força. É assim: devagar, mas decidido. Tomás ensina que o remédio está na alegria espiritual que nasce da caridade e na magnanimidade, que reergue a alma e a faz mirar o alto. A acédia é antiga como o deserto — mas não é invencível.
E o caminho concreto? A tradição é simples, e funciona: Aceitar o momento, sem dramatizar; Agradecer, mesmo sem sentir nada; Fazer algo pequeno e bom: arrumar a mesa, ler um parágrafo, caminhar um pouco; Rezar brevemente, mesmo sem vontade; Elevar o coração, como quem entrega o meio-dia da alma nas mãos de Deus.
Domingo após domingo, silêncio após silêncio, nós aprendemos. A vida espiritual é assim: feita de instantes pequenos, de fidelidades simples, de passos que ninguém vê — mas que sustentam tudo.
Diego Tales
17/11/2026
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